É
fácil ser nostálgico ao lembrar de uma época
e de uma pessoa que foi representativa em sua vida. Falar
do nosso Carlos Izaías Adib é falar de outro
tempo. Um tempo em que ele e outros pioneiros, literalmente,
inventaram o teatro infantil contemporâneo. Um tempo
em que Monteiro Lobato era amado, e não quase queimado.
Um tempo no qual crianças maiores implicavam com
as menores e isso se chamava implicância. Um tempo
em que nossos pais (ou só o papai, porque domingo
era o dia dele...) nos levavam ao teatro, todos se divertiam,
e as experiências ali vividas eram compartilhadas,
e não ia cada um para o seu quarto com a sua televisão
sintonizada em um canal diferente.
Sou
uma criança dos anos 1970 na cidade de Niterói.
Quem compartilha esse dado em comum comigo cresceu assistindo
ao teatro infantil de Carlos Adib. Precursor desta manifestação
artística que hoje é referência de qualidade
para a cidade, Adib muito fez pelo nosso teatro.
No início de sua carreira, Adib bebeu na fonte do
teatro de revista. Em 1977, na histórica adaptação
de “O Sítio do Pica-pau Amarelo”, de
Monteiro Lobato, pela Rede Globo, teve a oportunidade de
participar do elenco regular como o Carteiro. Ali, Adib
encontrou para sempre o seu público: as crianças.
Para elas escreveu, atuou e produziu.
Além de atuar, Carlos dava, regularmente, aulas de
interpretação, não só como fonte
de renda, mas também pelo prazer em formar jovens
atores. Como era da velha escola, a todos ensinava muito
mais do que a mera atuação. Quem trabalhava
com ele ao mesmo tempo atuava, era contra-regra, operador
de som, carregador e malabarista. Foi assim que ele aprendeu,
era assim que ele ensinava.
Esse fazer coletivo trazia muito do circo, que teve enorme
influência em sua vida e obra e em sua forma mambembe
de fazer teatro. É importante esclarecer que o termo
não tem aqui a menor conotação pejorativa,
e sim descritiva de uma forma de fazer comum a um lugar
e uma época. Carlos Adib era um ator mambembe. Por
definição e com excelência.
De sua obra, creio que a que mais ficou marcada na memória
de Niterói tenha sido “A Onça e
o Bode”. Para se ter uma idéia, fui a
oitava Onça de Adib, e nós dois representamos
essa peça amada por adultos e crianças por
todo o Estado do Rio de Janeiro por 10 anos.
Houve também outras, como “O palhacinho
da Loja ABC” e “O carteiro feliz”,
mas a mais marcante, para mim, foi “A verdadeira
história do circo”. Ali estavam as suas
origens. Com essa peça, infelizmente, pouco conhecida
e quem sabe definitivamente perdida, Carlinhos buscou resgatar
uma história nunca escrita, porque eminentemente
oral, e apresentou para as crianças dos anos de 1990
os queridos e já desbotados Chicharrão, Arrelia,
Piolin e Carequinha. Que função! Que serviço
a tantos: circo, teatro, platéias.
Autêntico e transgressor, era o melhor dos amigos,
e caridoso a ponto de levar conforto a enfermos que sequer
conhecia, visitando leitos e fazendo o bem. Marcante foi
encontrar, em sua última década de trabalho,
os anos de 1990, até três gerações
de famílias que haviam assistido e amado a sua arte.
A isso chama-se legado. O legado de Carlos Adib existe enquanto
existem remanescentes das suas platéias e atores
que com ele aprenderam a fazer e a amar teatro.