“O
que eu gostaria de saber é por que a rede
furada da memória retém certas coisas
e não outras...”. (Italo Calvino)
» Décadas de 1820/30
Como
nos lembra Emmanuel de Macedo Soares, o teatro hoje
dito “niteroiense” só assumiria
feições mais particulares a partir
de 1827, com a Sociedade Dramática da Praia
Grande (algum tempo depois chamada Sociedade Filodramática),
estabelecida em uma casa de espetáculos onde
hoje se localiza o centro da cidade. Ali, no Teatrinho
Praiagrandense, um teatro encarado como originalmente
fluminense só tomaria forma mais concreta
por volta de 1833, quando depois de muitas (e muitas!)
reformas, o ator e empresário João
Caetano e sua Companhia Dramática Nacional
estreariam “O Príncipe Amante da Liberdade,
ou a Independência da Escócia”.
Mesmo num tempo em que, como bem apontou certa vez
Décio de Almeida Prado, o teatro ainda era
uma aventura economicamente incerta e socialmente
desprezada, novos espaços para a encenação
de espetáculos iam sendo construídos
e inaugurados no Rio de Janeiro, possibilitando
a João Caetano e seus parceiros a conquista,
ainda que a curtos passos, de um lugar nada desprezível
no emergente meio teatral da capital do Império,
dando visibilidade, junto a dramaturgos como Martins
Pena e Domingos de Magalhães, a peças
escritas e encenadas somente por autores e atores
nascidos no Brasil.
Por isso, na visão de um grande número
de estudiosos, numa época ainda muito marcada
pelo predomínio de artistas e peças
de origem européia (portugueses, franceses,
italianos), o teatro fluminense seria tomado, naquele
momento, em meio a intensos debates e disputas em
torno da elaboração de uma identidade
nacional, como expressão máxima e
primeira de um teatro propriamente “brasileiro”.
»
Anos 1860-1900
Principalmente
depois da morte de João Caetano, em 1863
– período no qual se registrariam espetáculos
muito irregulares e dispersos entre si –,
Niterói testemunharia a emergência
de uma série de clubes dramáticos
formados por atores amadores. Nos fins daquele século,
esses clubes se transformariam em verdadeiros núcleos
artísticos, sendo revelado, num deles (o
Clube Dramático Assis Pacheco), o ator Leopoldo
Fróes, nascido na cidade e tornado grande
símbolo da nova dinâmica assumida pelo
teatro fluminense nas primeiras décadas da
Belle Époque brasileira.
» Anos 1900 – 1950
Nos
primeiros anos do século XX – ou mais
precisamente entre 1905 e 1907, segundo Emmanuel
de Macedo Soares –, Niterói seria palco
de uma notável multiplicação
das associações (clubes e núcleos)
ditas amadoras, as quais, nas palavras do historiador,
contaram com um imenso repertório de encenações,
experimentaram novas técnicas e produziram
muitas peças, provocando, inclusive, o aparecimento
de uma crítica especializada. Assim, também
no âmbito cultural da então capital
fluminense, a modernidade se fazia sentir intensamente
não apenas através da inauguração
dos sistemas de bonde e do desenvolvimento de iniciativas
voltadas à urbanização da cidade,
mas também (e em especial) através
de uma verdadeira “febre teatral”, conforme
apontou o contemporâneo Arlindo de Castro.
Dessa forma, entre muitos altos e, é claro,
alguns baixos, um panorama rico em iniciativas que
visavam à formação de grêmios
dramáticos, à construção,
ainda que precária, de algumas casas de espetáculos,
e à constituição de grupos
e companhias que se mostrariam vivamente atuantes
e engajados ao longo de quase toda a primeira metade
daquele novo século
ia ganhando traçados mais fortes e um colorido
nunca antes experimentado.
[Laura
Botelho – Zé
Gamela]
»
Décadas de 1960/70
Em
Niterói, o fim da década de 1960 e
todo o desenrolar dos anos ’70 seriam marcados
pela emergência de vários grupos teatrais
formados por universitários e cujos textos
e encenações ganhavam vida mesmo em
meio aos chamados “anos de chumbo” de
um regime político que, sob o comando dos
militares, por tão longa data daria as cartas
no cenário social de nosso país. Através
desses grupos, diversas manifestações
culturais seriam sinônimo de resistência
à censura e a tantas formas de repressão
à liberdade de expressão, sobretudo
em termos políticos, artísticos e
intelectuais.
Também
nesse período, os cursos oferecidos pelo
Instituto Niteroiense de Difusão Cultural
(INDC), o surgimento de vários outros grupos
além daqueles nascidos no seio das universidades,
os Festivais de Teatro e a conquista cada vez maior
de espaços para ensaios e apresentações
simbolizariam um cenário cultural bastante
efervescente e plural.
[
Grupo Decisão
– Grupo Laboratório
– Grupo Grite
– Grupo Corpo
Vivo
ETC
- Expansão Teatro e Cultura -
Os Provincianos
Grupo Papel
Crepon – Teatro
Quintal ]
»
Anos 1980
Em
todos os depoimentos que perpassam os anos ’80,
alguma confusão no que diz respeito às
datas de muitos espetáculos apresentados
em Niterói reflete a grande quantidade de
produções e de sujeitos em circulação
e constante interação num panorama
cultural agitado e contagiante. Até aproximadamente
meados daquela década, entre grupos e companhias
já existentes e os que àquela altura
seriam fundados, somavam mais de 30 os que, trocando
experiências e mostrando sua arte, mais frequentemente
apareciam registrados nos jornais da época
ou que, mais tarde, seriam lembrados pela maioria
dos artistas da cidade nas entrevistas dadas a esse
site.
[
Maria Jacintha
– Grupo Dois
Pontos – Grupo
Serrote
Grupo dos Cinco - Cia
Teatral FALK ]
» Anos 1990
Nesse
período, mudanças bastante impactantes
marcariam o panorama teatral de Niterói.
Isso porque muitos seriam os artistas que atravessariam
a ponte e dela se distanciariam cada vez mais em
busca de novos horizontes ou mesmo de maior visibilidade
e melhores oportunidades, como vários afirmaram.
Assim, essa seria uma época em que os laços
que vinculavam inúmeros grupos e companhias
iriam aos poucos enfraquecendo, dispersando diversos
núcleos, inibindo ou interrompendo a atuação
de uns tantos outros, e amornando um cenário
cultural que há até tão pouco
tempo fervilhava. As produções adultas
encenadas por grupos locais passariam a deixar um
grande vazio na cena teatral, majoritariamente ocupada,
a partir daqueles anos, por espetáculos infantis.
[
Cia
de Repertório de Comédia Popular
]
»
Anos 2000
Nos
anos 2000, o cenário ainda é um tanto
desolador, sobretudo se observado em perspectiva
histórica. Atualmente, a produção
teatral continua bastante tímida. Alguns
novos grupos em formação, geralmente
com raízes em oficinas e cursos livres, reclamam
da falta de espaço e incentivo. Além
disso, muitos são os que já não
mais enxergam uma união estável entre
os membros da classe teatral.
No entanto, pensamos que uma boa maneira de reverter
esse processo é recuperando e conhecendo
uma história tão rica e tão
diversa, sendo justamente isso o que nos motiva
a construir este site.
Assim, esperamos que as informações
aqui disponibilizadas, que reúnem muitíssimas
trajetórias e memórias de tantos grupos
e companhias, inspirem a nova geração
a seguir seus próprios caminhos.
[
ArteCorpo Teatro e
Cia – Cia
de Teatro Musical – Singulares
– Trupeniquins
]
Referências:
PRADO,
Décio de Almeida. João Caetano
e a Arte do Ator. São Paulo: Ática,
1984 – col. Ensaios, nº 108.
SOARES,
Emmanuel de Macedo. Pequena História
do Teatro Municipal de Niterói. Niterói
(RJ): Fundação de Atividades Culturais
de Niterói, 1983
SOARES,
Emmanuel de Macedo. Epigrafia Teatro Municipal
de Niterói. Niterói (RJ): Funiarte,
s.d.
VAINFAS,
Ronaldo (dir.). Dicionário do Brasil
Imperial (1822-1889). Rio de Janeiro: Objetiva,
2002.