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Esta obra foi selecionada pela Bolsa Funarte de Reflexão Crítica e Produção Cultural para Internet
 
 
 
 

 

 
:: Quem é quem » Atores» Eduard Roessler
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Nasci em 1953 e minha adolescência percorreu a década de ’60 – os anos dourados... – com todas as suas maravilhas. Como todo jovem, fiz parte do movimento escoteiro e acho que foi ali que tive meu primeiro contato com o teatro.

Na minha memória estão gravadas as imagens da chefe de lobinhos, Maria Pérola Sodré, contando a história do menino lobo, Mogli. Ela encenava cada personagem com suas características e vozes e todos ficavam boquiabertos! Vale lembrar que Maria Clara Machado foi bandeirante...
Com certeza o escotismo, além de tantas coisas boas, foi importante em minha vida teatral.

Também como todo jovem com sérias tendências teatrais, eu não queria ficar no anonimato. Era exibido e responsável pela alegria da sala de aula, o famoso palhaço da turma. Muitos diretores não compreendiam o meu aflorado talento e, em conseqüência disso, fui expulso de alguns colégios, até cursar um mais liberal, o Colégio Santa Bernadete, a que eu agradeço imensamente. Ali se fazia teatro mesmo, pois Flor de Maria, filha do diretor, era atriz.
À noite eu freqüentava a aula do científico, e à tarde sentava no portão de minha casa e ficava observando os passantes da Rua Mariz e Barros, ao mesmo tempo que tentava descobrir a pessoa que me chamava da janela do prédio em frente com vozes engraçadas. Foi assim que conheci Raquel Haddad, que surgiu em minha frente com seus cabelos ruivos, sardenta e perguntando: “Quer fazer teatro?”.

TEATRO ALVORADA

Era 1972. Entrei no Teatro Alvorada com minha nova amiga de cabelos vermelhos, e começamos a freqüentar as aulas do curso do INDC (Instituto Niteroiense de Desenvolvimento Cultural). O curso era coordenado por Felice Pirro e ministrado por Odir Vernon, que intercalava suas aulas com palestras e workshops dados por vários profissionais das artes cênicas. Foi assim que aprendi o valoroso “tempo de comédia”, com Grande Otello e Lutero Luis; história do teatro, com Maria Pompeu; cenografia com Pernambuco de Oliveira; entre outros. Era um curso bem diversificado, onde permaneci por dois anos.
Os espetáculos em cartaz e o cinema de época eram fonte inspiradora de nossos exercícios e encerramentos. Havia o “teatrão”, o “teatro de protesto” e o “besteirol”, que acabara de surgir com os Dzi Croquetes. Os textos se enriqueciam através de metáforas e sátiras buscando burlar a constante presença da censura. Era a época áurea do cinema, com Bergman, Pasolini, Fellini e o romântico Zefirelli. Isso sem falar nos festivais de teatro! Tudo isso ia fazendo parte de minha formação intelectual e teatral, já que nessa época pouco se falava em faculdade de teatro e a profissão só seria regulamentada um tempo depois.

PROFISSÃO: ATOR

Minha primeira peça profissional, por incrível que pareça, foi uma tragédia grega: “Alceste” de Eurípedes, montagem do grupo Cacilda Becker no Rio de Janeiro. Já minha primeira peça em Niterói foi no Teatro Municipal, o infantil “O Encanto do Coração de Ouro”, de autoria do niteroiense Waldir Nunes e dirigida por Fernanda Jane.
Os espetáculos infantis eram encenados só aos domingos e havia poucos textos dirigidos ao público infantil. Lúcia Benedette, Pernambuco de Oliveira e Maria Clara Machado foram os precursores do teatro infantil brasileiro. “O Casaco Encantado”, “A revolta dos brinquedos” e “Pluft” faziam parte de meu repertório. Nessa época, os diretores eram pessoas mais velhas e a direção era um tanto arcaica. Eles conduziam o ator com termos como: “vá para a ‘esquerda baixa’!”, “fale esse texto na ‘direita alta’!”. O figurino era pesado e o cenário sempre pintado em grandes telões, que amarrotavam com o tempo. Mas tinha uma coisa que me irritava muito: adulto fazendo papel de criança... Não havia muitos atores mirins e, se nessa época os adolescentes eram discriminados, imagine uma criança! Graças a Deus a juventude começou a peitar os pais, e os tabus de época caíram, finalmente, junto com as luzes da ribalta.

TEATRO DE REVISTA

Sem nunca abandonar minha cativa platéia infantil, monto um espetáculo adulto chamado “As Egretes”, claramente baseado nos Dzi Croquetes. Eu era fã deles e eles faziam tudo que eu mais queria fazer, um teatro irreverente, com figurino cabaret retrô purpurinado, sátira inteligente do cotidiano, muita música, dança e cheiro de patchouli. Um sucesso!
Do palco do Leopoldo Fróes para o Rio foi um pulo. Nessa época o glamoroso e dispendioso Teatro de Revista estava dando seu último suspiro na Praça Tiradentes e eu tive a oportunidade de assistir as últimas montagens, lá no Carlos Gomes. Silva Filho, Colé e o jovem Gugu Olimecha lutavam para manter em cena o luxo e o glamour que esse tipo de teatro exigia, mas algum tempo depois o Carlos Gomes fecha as suas portas para uma longa reforma. Algumas Revistas ainda seriam montadas, um pouco mais moderninhas no Café Teatro Rival. “Rio de Cabo a Rabo”, de Gugu Olimecha, com quem tive o prazer de trabalhar, foi uma delas, mas o gênero estava com seus dias contados. Vedetes, coristas, bailarinos, cantores e cômicos tiveram que procurar outra alternativa para sobreviver. Partiram para as “mini-Revistas” montadas nos pequenos palcos das boates cariocas, e foi assim que conheci Denis Duarte, que era responsável pela montagem de alguns desses shows e com quem aprendi muito. Denis foi bailarino de Carmem Miranda, viajou pela Europa com o grupo Brasilianas, empresariou jovens cantoras como Elis Regina no “Beco das Garrafas”, e nas horas vagas era o Mickey oficial da Disney on Parade na América do Sul. Foi com essa criatura maravilhosa que trabalhei durante seis anos sem parar, dividido entre Rio e Niterói. Em 1979 dou um basta em minha vida noturna e fundo meu grupo de teatro.

GRUPO PAPEL CREPON

Era 1979 e minha cabeça estava cheia de idéias. Queria aplicar toda aquela experiência em uma montagem idealizada e dirigida por mim. A oportunidade surgiu na Primeira Mostra de Teatro Infantil de Niterói, que iria acontecer em novembro no teatro Leopoldo Fróes. Cerquei-me de bons atores e montei uma comédia infantil adaptada do famoso clássico “Cinderela”. Foi um sucesso! Fomos vencedores e como prêmio, ganhamos uma temporada que seria realizada em abril de 1980 no Leopoldo Fróes. Durante nossas apresentações, notei que os pais, que de certa forma eram obrigados a acompanhar seus filhos e às vezes até tiravam um cochilo no escurinho da platéia, passaram a se divertir junto com a família e, acreditem, tinha adulto que ia sozinho! No mesmo ano resolvo investir em um espetáculo adulto, apaixonado por teatro de revista e com a idéia de que o gênero jamais deveria morrer: monto então “Tem Xaveco no Tablado” e “Araribroadway”, duas revistas que embora tivessem como tema a cidade de Niterói, foram muito bem aceitas pelo público carioca no Teatro Serrador e no Teatro Experimental Cacilda Becker. Nos anos seguintes, vieram “Facetoface” (onde contracenei com a minha eterna primeira dama do teatro fluminense, Cristina Fracho), “Sangue, muito Sangue”, “Cassino Icaraí”, “Adão e Eva”, “A Dama do Camarote”, e o bombástico “Anormalistas”, de Lucia Cerrone e Marcello Caridade.
Os infantis foram muitos, mas vou citar alguns, que tiveram uma importância vital para a formação de nossa platéia: “Peter Pan” (ao lado de meus queridos sobrinhos Gisela Roessler, como Fada Sininho, e Willy Roessler, como o Miguel), “Aladim”, “A Bela Adormecida”, “Annie a Pequena Órfã”, “Mamãe Ganso”, e “Branca de Neve”, com destaque, nesses três últimos, para a excelente performance do elenco mirim, formado pelas nossas oficinas.
O público confirmava seu amor pelo grupo freqüentando os teatros. Textos inéditos e adaptações de adultos e infantis se sucederam com premiações, moções honrosas da Câmara dos Vereadores e Alerj. Viajamos pelas principais capitais do país com o projeto “A escola vai ao teatro”, implantado pelo produtor e amigo Roberto Muniz.
Mas, com o passar do tempo, senti crescer a necessidade de um espaço para ensaios, oficinas, e alojamento de cenários e figurinos. E por falar em figurinos, todo o meu precioso acervo foi confeccionado por Cida Hardman, “A Feiticeira das Agulhas”, como é carinhosamente chamada por todos nós.

CAFÉ TEATRO PAPEL CREPON

A maioria dos artistas sempre agradece e dedica suas realizações a Deus e à mãe, e comigo não foi diferente. Dona Thereza, como é conhecida, sempre teve uma cabeça aberta, tanto que conviveu todos esses anos com a minha conturbada vida teatral: ensaios, figurinos espalhados pela casa, cenários amontoados no quintal e o entra e sai de criaturas incomuns e extravagantes que compõem o meio artístico. Notando, como eu disse, a minha falta de espaço para ensaios, oficinas, confecção de cenários e figurinos, apóia erguer em cima de nossa casa um espaço teatral. A construção começou em Abril de 1999, e em 2000 estava pronto o Café Teatro Papel Crepon. Palco italiano e mobília em estilo Art Decô, bem aconchegante e com jeitinho de teatro antigo. Assim, hoje posso dizer que me sinto muito realizado e feliz. Agradeço, por isso, a todos que acreditaram em mim e, é claro, aos Deuses do teatro, que sempre foram generosos comigo.

Grupo Papel Crepon