Nasci
em 1953 e minha adolescência percorreu a década
de ’60 – os anos dourados... –
com todas as suas maravilhas. Como todo jovem, fiz
parte do movimento escoteiro e acho que foi ali
que tive meu primeiro contato com o teatro.
Na minha memória estão gravadas as
imagens da chefe de lobinhos, Maria Pérola
Sodré, contando a história do menino
lobo, Mogli. Ela encenava cada personagem com suas
características e vozes e todos ficavam boquiabertos!
Vale lembrar que Maria Clara Machado foi bandeirante...
Com certeza o escotismo, além de tantas coisas
boas, foi importante em minha vida teatral.
Também como todo jovem com sérias tendências
teatrais, eu não queria ficar no anonimato. Era exibido
e responsável pela alegria da sala de aula, o famoso
palhaço da turma. Muitos diretores não compreendiam
o meu aflorado talento e, em conseqüência disso,
fui expulso de alguns colégios, até cursar um
mais liberal, o Colégio Santa Bernadete, a que eu agradeço
imensamente. Ali se fazia teatro mesmo, pois Flor de Maria,
filha do diretor, era atriz.
À noite eu freqüentava a aula do científico,
e à tarde sentava no portão de minha casa e
ficava observando os passantes da Rua Mariz e Barros, ao mesmo
tempo que tentava descobrir a pessoa que me chamava da janela
do prédio em frente com vozes engraçadas. Foi
assim que conheci Raquel Haddad, que surgiu em minha frente
com seus cabelos ruivos, sardenta e perguntando: “Quer
fazer teatro?”.
TEATRO
ALVORADA
Era 1972. Entrei no Teatro Alvorada com minha nova amiga de
cabelos vermelhos, e começamos a freqüentar as
aulas do curso do INDC (Instituto Niteroiense de Desenvolvimento
Cultural). O curso era coordenado por Felice Pirro e ministrado
por Odir Vernon, que intercalava suas aulas com palestras
e workshops dados por vários profissionais das artes
cênicas. Foi assim que aprendi o valoroso “tempo
de comédia”, com Grande Otello e Lutero Luis;
história do teatro, com Maria Pompeu; cenografia com
Pernambuco de Oliveira; entre outros. Era um curso bem diversificado,
onde permaneci por dois anos.
Os espetáculos em cartaz e o cinema de época
eram fonte inspiradora de nossos exercícios e encerramentos.
Havia o “teatrão”, o “teatro de protesto”
e o “besteirol”, que acabara de surgir com os
Dzi Croquetes. Os textos se enriqueciam através
de metáforas e sátiras buscando burlar a constante
presença da censura. Era a época áurea
do cinema, com Bergman, Pasolini, Fellini e o romântico
Zefirelli. Isso sem falar nos festivais de teatro! Tudo isso
ia fazendo parte de minha formação intelectual
e teatral, já que nessa época pouco se falava
em faculdade de teatro e a profissão só seria
regulamentada um tempo depois.
PROFISSÃO:
ATOR
Minha primeira peça profissional, por incrível
que pareça, foi uma tragédia grega: “Alceste”
de Eurípedes, montagem do grupo Cacilda Becker no Rio
de Janeiro. Já minha primeira peça em Niterói
foi no Teatro Municipal, o infantil “O Encanto do
Coração de Ouro”, de autoria do niteroiense
Waldir Nunes e dirigida por Fernanda Jane.
Os espetáculos infantis eram encenados só aos
domingos e havia poucos textos dirigidos ao público
infantil. Lúcia Benedette, Pernambuco de Oliveira e
Maria Clara Machado foram os precursores do teatro infantil
brasileiro. “O Casaco Encantado”, “A
revolta dos brinquedos” e “Pluft”
faziam parte de meu repertório. Nessa época,
os diretores eram pessoas mais velhas e a direção
era um tanto arcaica. Eles conduziam o ator com termos como:
“vá para a ‘esquerda baixa’!”,
“fale esse texto na ‘direita alta’!”.
O figurino era pesado e o cenário sempre pintado em
grandes telões, que amarrotavam com o tempo. Mas tinha
uma coisa que me irritava muito: adulto fazendo papel de criança...
Não havia muitos atores mirins e, se nessa época
os adolescentes eram discriminados, imagine uma criança!
Graças a Deus a juventude começou a peitar os
pais, e os tabus de época caíram, finalmente,
junto com as luzes da ribalta.
TEATRO
DE REVISTA
Sem nunca abandonar minha cativa platéia infantil,
monto um espetáculo adulto chamado “As Egretes”,
claramente baseado nos Dzi Croquetes. Eu era fã
deles e eles faziam tudo que eu mais queria fazer, um teatro
irreverente, com figurino cabaret retrô purpurinado,
sátira inteligente do cotidiano, muita música,
dança e cheiro de patchouli. Um sucesso!
Do palco do Leopoldo Fróes para o Rio foi um pulo.
Nessa época o glamoroso e dispendioso Teatro de Revista
estava dando seu último suspiro na Praça Tiradentes
e eu tive a oportunidade de assistir as últimas montagens,
lá no Carlos Gomes. Silva Filho, Colé e o jovem
Gugu Olimecha lutavam para manter em cena o luxo e o glamour
que esse tipo de teatro exigia, mas algum tempo depois o Carlos
Gomes fecha as suas portas para uma longa reforma. Algumas
Revistas ainda seriam montadas, um pouco mais moderninhas
no Café Teatro Rival. “Rio de Cabo a Rabo”,
de Gugu Olimecha, com quem tive o prazer de trabalhar, foi
uma delas, mas o gênero estava com seus dias contados.
Vedetes, coristas, bailarinos, cantores e cômicos tiveram
que procurar outra alternativa para sobreviver. Partiram para
as “mini-Revistas” montadas nos pequenos palcos
das boates cariocas, e foi assim que conheci Denis Duarte,
que era responsável pela montagem de alguns desses
shows e com quem aprendi muito. Denis foi bailarino de Carmem
Miranda, viajou pela Europa com o grupo Brasilianas, empresariou
jovens cantoras como Elis Regina no “Beco das Garrafas”,
e nas horas vagas era o Mickey oficial da Disney on Parade
na América do Sul. Foi com essa criatura maravilhosa
que trabalhei durante seis anos sem parar, dividido entre
Rio e Niterói. Em 1979 dou um basta em minha vida noturna
e fundo meu grupo de teatro.
GRUPO
PAPEL CREPON
Era 1979 e minha cabeça estava cheia de idéias.
Queria aplicar toda aquela experiência em uma montagem
idealizada e dirigida por mim. A oportunidade surgiu na Primeira
Mostra de Teatro Infantil de Niterói, que iria acontecer
em novembro no teatro Leopoldo Fróes. Cerquei-me de
bons atores e montei uma comédia infantil adaptada
do famoso clássico “Cinderela”.
Foi um sucesso! Fomos vencedores e como prêmio, ganhamos
uma temporada que seria realizada em abril de 1980 no Leopoldo
Fróes. Durante nossas apresentações,
notei que os pais, que de certa forma eram obrigados a acompanhar
seus filhos e às vezes até tiravam um cochilo
no escurinho da platéia, passaram a se divertir junto
com a família e, acreditem, tinha adulto que ia sozinho!
No mesmo ano resolvo investir em um espetáculo adulto,
apaixonado por teatro de revista e com a idéia de que
o gênero jamais deveria morrer: monto então “Tem
Xaveco no Tablado” e “Araribroadway”,
duas revistas que embora tivessem como tema a cidade de Niterói,
foram muito bem aceitas pelo público carioca no Teatro
Serrador e no Teatro Experimental Cacilda Becker. Nos anos
seguintes, vieram “Facetoface” (onde
contracenei com a minha eterna primeira dama do teatro fluminense,
Cristina Fracho), “Sangue, muito Sangue”,
“Cassino Icaraí”, “Adão
e Eva”, “A Dama do Camarote”,
e o bombástico “Anormalistas”,
de Lucia Cerrone e Marcello Caridade.
Os infantis foram muitos, mas vou citar alguns, que tiveram
uma importância vital para a formação
de nossa platéia: “Peter Pan”
(ao lado de meus queridos sobrinhos Gisela Roessler, como
Fada Sininho, e Willy Roessler, como o Miguel), “Aladim”,
“A Bela Adormecida”, “Annie
a Pequena Órfã”, “Mamãe
Ganso”, e “Branca de Neve”,
com destaque, nesses três últimos, para a excelente
performance do elenco mirim, formado pelas nossas oficinas.
O público confirmava seu amor pelo grupo freqüentando
os teatros. Textos inéditos e adaptações
de adultos e infantis se sucederam com premiações,
moções honrosas da Câmara dos Vereadores
e Alerj. Viajamos pelas principais capitais do país
com o projeto “A escola vai ao teatro”, implantado
pelo produtor e amigo Roberto Muniz.
Mas, com o passar do tempo, senti crescer a necessidade de
um espaço para ensaios, oficinas, e alojamento de cenários
e figurinos. E por falar em figurinos, todo o meu precioso
acervo foi confeccionado por Cida Hardman, “A Feiticeira
das Agulhas”, como é carinhosamente chamada por
todos nós.
CAFÉ
TEATRO PAPEL CREPON
A maioria dos artistas sempre agradece e dedica suas realizações
a Deus e à mãe, e comigo não foi diferente.
Dona Thereza, como é conhecida, sempre teve uma cabeça
aberta, tanto que conviveu todos esses anos com a minha conturbada
vida teatral: ensaios, figurinos espalhados pela casa, cenários
amontoados no quintal e o entra e sai de criaturas incomuns
e extravagantes que compõem o meio artístico.
Notando, como eu disse, a minha falta de espaço para
ensaios, oficinas, confecção de cenários
e figurinos, apóia erguer em cima de nossa casa um
espaço teatral. A construção começou
em Abril de 1999, e em 2000 estava pronto o Café Teatro
Papel Crepon. Palco italiano e mobília em estilo Art
Decô, bem aconchegante e com jeitinho de teatro antigo.
Assim, hoje posso dizer que me sinto muito realizado e feliz.
Agradeço, por isso, a todos que acreditaram em mim
e, é claro, aos Deuses do teatro, que sempre foram
generosos comigo.