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Esta obra foi selecionada pela Bolsa Funarte de Reflexão Crítica e Produção Cultural para Internet
 
 
 
 

 

 
:: Quem é quem » Atores» Mario de Sousa
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Nasci no interior do Pará e a minha trajetória no teatro não é linear, é transversal. Não tem começo, meio e fim. Mesmo passando por duas escolas de teatro, fazendo vários cursos com grandes nomes de teatro, participando de vários seminários, nunca tive essa perspectiva de ser um ator profissional.

Queria participar, viver esse fazer teatral como ator e diretor. Gosto de escrever também. No final dos anos 1960, era militante político em Belém, envolvido numa chamada Confraria de Jovens intelectuais. Queria ser artista plástico. Participei de dois salões de arte importantes em Belém e fui selecionado. Meus trabalhos, assim como toda minha trajetória no teatro e na arte visual,

sempre foram na linha alternativa, nos anos ’60 e ’70, com a chamada Arte Conceitual.

Já na Escola de Teatro da Universidade Federal do Pará, fui convidado para trabalhar em duas peças infantis. Na primeira, como cenógrafo, me destacando como cenógrafo-revelação, com cenário feito de sucata, lixo, em1971. Na escola, tive um mestre na arte de ensinar, Cláudio Barradas.

Vim para o Rio sem dinheiro e sem qualificação profissional. Vim transferido para a Fefieg, antigo Conservatório Nacional de Teatro, e com carta de recomendação do maestro Waldemar Henriques, coordenador da Escola de Teatro, para Pernambuco de Oliveira, que era, então, o diretor da Fefieg. Ele me recebe muito bem e eu continuo o curso. Ali, tive mestres como o próprio Pernambuco, Yan Michalski, Nelly Laport, Glorinha Buetemüler, Aldomar Conrado, Maria Clara Machado, Henrique Oscar, entre outros. Muitos tinham a formação acadêmica, mas alguns não tinham apenas uma bagagem de experiência e sensibilidade, que transmitiam muito bem.

Fui morar numa república em Santa Tereza, que abrigava estudantes e artistas, e que na época era uma referência. Não era quarto, era vaga. E eu fazia tudo a pé, porque não tinha dinheiro para pegar ônibus. Precisava sobreviver, fiz alguns biscates, trabalhei no Ibope, fazendo pesquisa, e numa empresa de clipping. Conheci uma atriz, que trabalhava com um grande empresário, que tinha escritório no Hotel Copacabana-Palace e também era escritório de clipping e modelos. Ele trabalhava para grandes atores, grandes personalidades artísticas do Rio, e ela me convidou para dirigir um grupo de teatro político.

A experiência durou pouco. Não houve estréia. Após vários ensaios, os integrantes do grupo que estavam sendo monitorados, todos foram presos, inclusive eu. Na prisão, para aguentar, o sufoco, as torturas, improvisei uma experiência teatral. Um era o torturador, o outro, o torturado. Ironizávamos nossa própria desgraça. Acabou virando uma peça de teatro, que escrevi. Um dia, pretendo colocar em cena. O titulo: “Os Prisioneiros”.
No anos 1970 e começo dos ’80, tive imensa participação nos movimentos alternativos de teatro no Rio de Janeiro. Criamos a Associação de Teatro Infantil e comecei trabalho de pesquisa com o mestre de Teatro na Educação, Hilton Araújo, que me convidou porque queria criar núcleo de estudo e pesquisa. Essa experiencia me ajudou muito como professor de Educação Artística. Os jogos dramáticos, a maneira que ele conduzia o modo de interagir com o aluno. Aprendi muito. Participei, também, de vários movimentos de teatro e artes plásticas, como "Antes que o Pano Caia", (Teatro na Avenida Chile), "Poemação" (MAM), Salão Verão. Todos nessa linha alternativa. No MAM, apresentei um monólogo de minha autoria "Um Quase Alucinado". Era ator e diretor.

EM NITERÓI

Paschoal Carlos Magno é convidado pelo prefeito para assumir a Comissão do IV Centenário de Niterói. E eu já tinha trabalhado com ele no Rio. Paschoal vem para cá e me convida para ser seu assessor. Passo a vir todo dia para Niterói. No final do curso no Conservatório, eu, Vitor Menezes, Adalberto Nunes e Elizabeth Nunes e Gilberto Afonso resolvemos criar o grupo de Teatro ETC - Expansão, Teatro e Cultura. Este grupo passou a ser oficial do IV Centenário de Niterói por decisão de Paschoal Carlos Magno. Nosso primeiro trabalho foi a realização de um Curso de Teatro, no SESC.
Na primeira fase do Grupo ETC- Expansão Teatro e Cultura- fizemos várias produções, como Novo Otelo, de Joaquim Manoel de Macedo, uma peça infantil de Adalberto, Uma Viagem ao Mundo de Itaporonga.

Na segunda fase do ETC, com a saída de Vitor e Adalberto, venho para Niterói e resolvo assumir o grupo com Ana Caldeira, minha ex-mulher. Começamos a pesquisar o universo, o comportamento e a linguagem infantil. A criança urbana não brinca com brinquedos artesanais. Não se falava mais em cantiga de rodas. E a gente começou a resgatar essas brincadeiras e cantigas de rodas. Lanço “Brincando de Brincar”, peça que já tinha escrito, que passa por uma revisão e ganha músicas de José Luis Caldeira..
Participamos do Festival Estadual de Teatro, em Niterói, e do Festival Nacional, em Arcozelo. Meia hora antes do espetáculo, Ana teve uma torção no pé, que ficou inchado. Ela era a bailarina na peça. Ana improvisa um curativo, não usa sapatilha e surpreende no palco dançando com uma perna só. Ganha o prêmio de atriz-revelação. Seguem-se outras peças: "Palhaço, Palhacinho, Palhaçadas", de minha autoria, com estréia na UFF, "A História do Menino Paz", um auto de natal de Ana Caldeira, " O Barquinho”, também de Ana Caldeira.

Professor de teatro para o nível médio foi a mais séria e polêmica atividade que exerci. Constatei o quanto é atrasada a nossa Educação, com pensamentos conservadores e uma clara contradição entre o discurso e a prática dos pedagogos.
Com a experiência acumulada e vários outros cursos, criei a oficina Teatro sem Mistério, desenvolvendo palestras e pequenos workshops em escolas particulares e públicas, principalmente para professores.. A última série foi em 2005, em conjunto com minha mulher Simone Gomes, ela bailarina e terapeuta corporal, quando fomos contratados pela Secretaria municipal de Educação do Rio para realizarmos várias oficinas de teatro e dança para professores da rede. Foi um ano inteiro promovendo essas oficinas.
Antes mesmo de me formar em jornalismo, lá na Comissão do IV Centenário, a jornalista Lou Pacheco me convidou para escrever uma coluna de teatro no LIG, onde publiquei algumas matérias sobre grupos de Niterói. Depois fui para o Fluminense, onde passo a fazer matérias especiais de cultura. Prossigo minha carreira de jornalista em grandes jornais como Última Hora, Tribuna da Imprensa, Jornal do Commercio e vou me afastando do teatro.

Minha última produção, sem considerar as leituras dramatizadas no Ciclo de Leitura do Fórum de Artes Cênicas da cidade, foi a remontagem de “Brincando de Brincar”, com direção de Elyzio Falcato, que fez temporada no Teatro Municipal. Depois apresentada em vários municípios do Estado do Rio e em dois festivais no interior, quando foi escolhida entre três dos melhores textos e Wagner Duarte ganhou prêmio de ator revelação.

Os anos ’80 reuniram os maiores movimentos de teatro em Niterói, como o encontro de teatro não-empresarial, com a Federação Independente de Teatro do Rio de Janeiro. Percebemos que o teatro do Rio de Janeiro dividia-se em “teatrão”, teatro não-empresarial, e teatro amador, mas que tinha outro movimento, o do teatro político, marginal, experimental, que precisava ser enquadrado. Nós também queríamos ter uma identidade. Receber apoio, subvenção, ter casas de espetáculo, local de ensaio.
Na nossa lógica, queríamos ganhar dinheiro, mas não precisávamos de um milhão, 300 mil para produzir um espetáculo. Não era a comédia pela comédia, era a criação, o conteúdo. No teatro empresarial você tinha que ter uma firma, uma produção, uma série de exigências. Queríamos buscar essas alternativas, mas sem esse aparato burocrático. Reunimos uns 80 grupos do Estado do Rio para discutir essa linha. Em Niterói, acho que nos anos 80 tinha uns 20 grupos de teatro.

Em Niterói, a questão é do eixo. O chamado mercado de quem quer ascender na televisão, no teatro profissional, nos grandes espetáculos, não está em Niterói, mas no Rio e em São Paulo. Não conseguimos ter um teatro local. Não nos fortalecemos para termos uma linha alternativa, de ocupar os espaços, de continuar fazendo o trabalho, mesmo que seja experimental.

Propus uma mostra de monólogos, e fiquei sabendo que está acontecendo em um restaurante de Niterói, toda semana. Saiu no Fluminense. Em Niterói se a pessoa quer crescer como ator, ir para a televisão, trabalhar profissionalmente, fazer do teatro a sua profissão, tem que ir para o Rio.

Sobre o ciclo de leituras é uma oportunidade de se ver um monte de pessoas que não se vê há a um monte de tempo. É um ganho de 20 anos de estagnação, e, surpreendente, contar com um público de 200 pessoas.

O FÓRUM DE ARTES CÊNICAS

O Fórum de Artes Cénicas começou há três anos. Não é movimento político da chamada “péssima política” da política partidária. É um movimento político da essência da política. De buscar valores nessa área do teatro, da gente tentar retomar essa discussão do teatro em Niterói e de saber o que que se quer, que se espera, não só do poder público, mas também da iniciativa privada. O fórum surge para absorver todas essas contradições, é um espaço de discussão e de reflexão. E essa reflexão pode ir para a ação como no Ciclo de Leituras Dramatizadas, que simboliza bem essa idéia.
O Fórum começou com 30 pessoas assistindo e foi aumentando, ganhando arcabouço. O que era esboço, agora ocupa o palco do Teatro Municipal.

Agora, é hora de dar outros saltos, porque as pessoas estão percebendo que existe público, bons atores e atrizes, bons diretores. E isso é um referencial muito grande.