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Esta obra foi selecionada pela Bolsa Funarte de Reflexão Crítica e Produção Cultural para Internet
 
 
 
 

 

 
:: Quem é quem » Atores» Tonico Pereira
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“Em 1969, o grupo Laboratório montou “O Futuro Está nos Ovos”, de Ionesco, com direção de José Carlos Gondin e assistência de direção de Imara Reis, que assinou Imara Ferreira.
Foi a primeira peça do grupo e entrei numa das personagens principais, o pai, o Jacques. A tradução foi de Gondin e de Imara, que eram professores de francês, e o grupo todo participou da adaptação do texto. Na verdade, eu mais dormia do que participava. Não que a coisa não me interessasse, naquela época eu talvez dormisse no ensaio porque não dormia muito mesmo, mas, de maneira geral, aquelas discussões

me pareciam um pouco inócuas.”

“O Futuro Está nos Ovos” estreou em 1969, no Glauce Rocha e em seguida ganhou o IV Festival de Teatro Jovem do Estado do Rio de Janeiro, em 1970, no Teatro Municipal de Niterói. Imara e eu ganhamos os prêmios de atores coadjuvantes. O presidente do júri era Sérgio Brito.

No grupo Laboratório tinha de tudo, gente boa, gente má, chatos e até informantes da polícia. Não tenho provas, mas acho que um cara meio periférico, um pouquinho mais velho que nós e cujo nome não vou dizer, era informante. Acho que ele nunca estreou peça nenhuma, mas dos ensaios ele participava. Essa pessoa cursava faculdade, mas não deve ter feito vestibular, deve ter entrado pra informar.

No Laboratório, após “O Futuro Está nos Ovos”, fiz “Prometeu Acorrentado” de Ésquilo, com direção de Ademar Padron Nunes, o Dema. Entrei já no final da temporada,, não podia viajar por causa do trabalho. Fora do Laboratório com Ana Caillaux, fiz “Rua do Lixo, 24”, de Vital dos Santos, que o grupo tinha conhecido no Festival de Caruaru, onde tinha ido apresentar o “Prometeu”. Eu fazia uma mulher, Dona Lola, a mãe de família, a matriarca. Foi feito no DCE, o Diretório Central dos Estudantes da UFF, com direção do baiano Antonio Carlos Limongi. Limongi e eu fizemos a música. O nome do grupo era Lapa: O Lapa apresenta, “Rua do Lixo, 24”. O que antes era brega agora é peça de teatro. Tem Dona Lola, hehehe! Seu Generino, Expedito e Ernesto. Tem dois nazistas e Dorinha! É um trabalho, quase honesto! E agora com vocês: Rua do Lixo... (aí entrava o viado) 24! A música é bem bonitinha. Ana Caillaux fazia minha filha. Antonio Carlos De Caz fazia um coronel que ia comer a minha filha, era uma coisa assim.

Niterói também tinha outro grupo de teatro com força local, integrado por Antonio Carlos de Caz, Margarida (Guida), Themilton Ferreira, Lia e Eliana Bueno, Sérgio e Maria das Graças (Gracinha), dentre outros. Chamava-se “Os Provincianos” e era dirigido por um profissional, Silva Ferreira, mas os dois grupos se integravam.

Esses anos de Niterói foram importantes, vividos de forma lúdica. Fui me afastando do “Laboratório”, mas não das pessoas do grupo, e acabei perdendo o contato com o teatro amador. Perdi o contato com o pessoal do Nordeste que o “Laboratório” conheceu nos festivais de teatro – Tácito Borralho e Vital dos Santos. Em Niterói, um dos últimos trabalhos que fiz no teatro amador foi "Huis Clos", de Sartre, com o pessoal dos Provincianos e direção de Silva Ferreira. Mas quando entrei o espetáculo já estava montado e não cheguei a trabalhar com Silva Ferreira. De Caz, Gracinha, Margarida e eu fizemos esse espetáculo. Não me lembro muito da montagem, mas de certa forma continuo achando que o inferno são os outros.

No Grupo Laboratório essa discussão era muito forte. Eu sugeria, por exemplo, que fôssemos às fábricas, às favelas: “Então não pode cobrar, diziam as pessoas. E eu me opunha: Não, tem de cobrar, senão... como é que fica?”
Eu tinha que sobreviver, não podia trabalhar de graça. E o que foi acontecendo é que fui perdendo os empregos e o teatro começou a me dar dinheiro. No grupo de Luís Mendonça, por exemplo.

Mendonça foi um grande mestre e um ser humano maravilhoso. Ele me ensinou não as coisas complicadas que o Laboratório levantava, mas o oposto, a simplicidade, ou seja, as coisas se resolviam muito mais pela simplicidade do que pela erudição. Eu me lembro de que uma eu disse: estou rouco. E ele me disse pra entrar rouco. Graças a isso faço qualquer espetáculo até hoje, em qualquer época, rouco ou não.
Acho que o artista – não gosto muito dessa palavra, mas não acho outra – se manifesta tanto melhor no ser humano quanto mais simples ele for, ou seja, a grande complexidade do ser humano se mostra na exposição de sua simplicidade.

Essas idéias vêm da minha vida, da minha forma de viver e o Laboratório deu inicio a isso tudo. No entanto, o grupo tinha alguns preconceitos, por exemplo, em relação ao intelectual. O grupo Laboratório não admitia um artista que não fosse intelectual, tinha essa limitação que Mendonça não tinha, que Amir Haddad não tem. O Laboratório tinha exigências às quais eu não podia corresponder, porque eu não era intelectual, era popular, era de formação popular. Nasci no lado popular da minha família.

Quanto aos problemas do teatro, penso que, por incrível que pareça, muitos deles advêm da figura do patrocinador, pois, a partir de sua entrada em cena, o teatro perdeu a obrigação de ter público. A partir do momento em que a montagem está paga, o elenco, os produtores – não digo todos, mas a grande maioria – passam a viver de projeto e não mais de público. Isso é quase regra, o patrocínio é que dá o tempo de vida do espetáculo quando essa função seria do público. Mesmo com casa cheia o espetáculo termina quando acaba o patrocínio, mesmo porque sua existência encareceu os custos de teatro, de iluminação, de cenários, de tudo, pois antigamente todo mundo era cooperativado, inclusive a direção, agora todo mundo tem salário.

O ator careta acha que atuar é mais importante do que ser pedreiro, que ser operário, que ser qualquer outra coisa. Pessoalmente, acho que o meu trabalho é um trabalho como outro qualquer. Tem suas particularidades como todos os demais trabalhos, mas não tem uma aura. O Deus que existe no ator, existe no pedreiro, no carpinteiro, no ser humano em geral.

No grupo Laboratório havia uma direção quase que coletiva. Gondin ou Dema dirigiam e a assistente de direção era Imara, mas todo mundo palpitava. Isso determinou muito a minha postura daí em diante. No Laboratório a gente fazia um ensaio e duas sessões de discussão, isso determinou muito o meu “não abaixar a cabeça na vida artística”, vamos dizer assim, na vida de ator. Aprendi a discutir, se bem que quando a discussão é boba já não me incluo.

O Laboratório me ensinou muito. Eu estudava muito pouco perto do que estudavam lá, mas quando o grupo estudou Grotowski as reuniões eram na minha casa no Rink. O grupo me considerava não muito moderno, meio caricato e Grotowski era a última fornada da modernidade.
Lá pelas tantas num capítulo ele afirmava que era válida a caricatura. Todo mundo ficou louco, porque, de certa forma, eu já preconizava isso no trabalho e as pessoas achavam que eu não sabia de nada. Aí sacaneei Dema, o mais intelectual, sacaneei todo mundo porque eu estava certo. Dentro da informação que o próprio grupo propunha, Grotowski me salvava.

Geralmente, em teatro, as pessoas me deixam livre, embora por vezes tentem me cercear porque tem diretor de todo tipo. Mas de maneira geral, minha atuação é muito assinada por mim, desde o grupo Laboratório, desde sempre, porque a minha vida também é muito assinada por mim
A perfeição é a minha meta.
Já o aperfeiçoamento constante e gradual, sim.
A perfeição é uma mera ilusão nazista.

Quando “O Futuro Está nos Ovos” estreou em Niterói, se não me engano, houve duas reuniões do grupo pra falar mal de mim. E tudo por quê? Porque no espetáculo eu evoluí por outros caminhos que não os do ensaio. Improvisei e as pessoas ficaram putas da vida. Quem fez minha defesa foi Zé Fernando Figueiredo, que argumentou: “Mas ele é um artista, gente! Vocês estão cobrando de um artista o fato dele ser artista.” Aí saiu uma critica de José Arrabal me destacando do resto do elenco, o que fez com que as diferenças no grupo se acentuassem.
Nesse momento havia entre nós um choque de concepções sobre o teatro. De um lado, tínhamos o teatro, digamos, de interpretação, do ator; de outro tínhamos o teatro de laboratório, como se dizia na época, aquele teatro que você se preparava e apresentava como um produto de grupo, que tinha como modelo a Oficina de São Paulo. Era também o modelo de Amir Haddad na Construção. E a maior influência sobre o Gondin era Amir. mas uma coisa não invalidava a outra e eu sabia disso. Tanto é que Amir me adora como ator. Sem dúvida, Amir evoluiu, mudou muito, mas em 1978, 79 ele assistiu à peça “Papa Highirte” comigo e me disse na saída do espetáculo: “Enfim, um ator popular brasileiro.”

Depoimento autorizado pelo ator a partir do livro “Tonico Pereira Um Ator Improvável”- Uma Autobiografia Não Autorizada” , de Eliana Bueno- Ribeiro