É
aquela velha história, desde criança queria
ser atriz. Bom, não foi assim muito consciente,
como é hoje, quando crianças já
nascem fazendo aulas de canto e dança e sabem
muito bem o que querem. Já trabalhei com várias
assim, algumas me dão até medo.
Eu, quando criança, cantava na frente da TV,
em cima de uma cadeira, para meus avós assistirem.
Montava peças de teatro criadas por mim com minhas
amiguinhas e até me apresentava cobrando ingresso.
De alguma forma, acho que já estava no sangue.
Mas a primeira vez que, realmente, pensei em me tornar
atriz, foi em um curso de teatro no meu colégio, Centro
Educacional de Niterói.
Estava com 16, 17 anos. Fiz o curso por curiosidade, mas durante
o processo, e principalmente na apresentação
de uma peça montada por nós, me senti, pela
primeira vez, no meu lugar, o palco.
Muitas vezes ouvimos o velho clichê que o palco é
mágico. Pois bem, é mesmo. O palco me transformou
da garotinha sem graça e tímida, que ninguém
notava, num vulcão explodindo brilho próprio,
força e, principalmente, uma identidade. Naquele momento,
decidi que minha felicidade e minha vida estavam ali.
Através de um amigo, meu querido Marquinho (Marco Antonio
Campos), conheci Eduardo Roessler e outros artistas atuantes
em Niterói que formavam um grupo amador. Fui uma das
primeiras a participar do Grupo Papel Crepon. Com 17 anos,
aprendi com esses atores e atrizes maravilhosos, Eduardo,
David Varela, Cristina Fracho, e Lucia Cerrone, a me jogar
num palco sem pára-quedas. Aprendi, na prática,
a ser atriz e mulher. Até hoje sou conhecida como uma
atriz que “desce uma escada derretendo os degraus”
– isso é frase de Flávio Marinho. Guardo
com carinho e respeito a lembrança de meu amigo David
Varela me ensinando a andar em cima de um salto, descendo
escadas com plumas na cabeça.
Ao mesmo tempo, em casa, tinha o incentivo também inconsciente
de minha mãe Joaquina, minha querida, que me deixava
matar aula quando passava algum musical da Metro na Sessão
da Tarde. Enquanto via Gene Kelly, Fred Astaire, Ginger Rogers,
Judy Garland, conhecia Cole Porter, George Gershwin, Irving
Berlin, e aí começava a minha tendência
e aprendizado para os musicais.
Com a decisão de me tornar uma atriz profissional,
saí de Niterói e comecei a trabalhar nos palcos
cariocas. Procurando um diferencial para mim numa carreira
difícil, foquei em fazer musicais. Não se faziam
musicais no Brasil, e algumas poucas tentativas não
tinham muito retorno.
Quando conheci o Claudio Botelho num teste para um espetáculo
de Bertold Brecht, onde ele era o diretor musical, tivemos
uma empatia imediata pelo mesmo gosto por musicais americanos
e pelo mesmo objetivo, fazer musical no Brasil. Criamos uma
dupla que durou 12 anos. Cantávamos os grandes compositores
do teatro americano e montamos espetáculos e um programa
de TV, que atraiu uma platéia ávida por esse
tipo de gênero. Criamos platéia e fãs
de musicais. Somos jurássicos, e tenho orgulho de ser
uma das pioneiras a fazer e, porque não dizer, trazer
o musical para o Brasil.
Começamos com o teatro americano, mas o meu objetivo
foi fazer teatro musical brasileiro. Com Botelho, fizemos
“Na Bagunça do Seu Coração”,
uma história de amor contada e cantada através
das canções de Chico Buarque, dirigida por Bibi
Ferreira. No meu curriculum estão também “Metralha,
a vida de Nelson Gonçalves” e “Somos
Irmãs” – a vida de Dircinha e Linda
Batista. Ter participado como uma das protagonistas desse
espetáculo que, para mim, foi uma das melhores peças
realizadas em nosso país, é um dos meus maiores
orgulhos.
Trabalhei com Miguel Falabella no musical “Império”,
sobre a Corte portuguesa no Brasil, e também fiz outras
peças dele, sem ser musical, como “A Partilha”,
“A Vida Passa”, “Veneza”.
Além disso, fiz cinema, novelas, minisséries
como “JK” e “Dalva e Herivelto”,
e muitos, muitos musicais, tendo sido indicada para prêmios
por “Company" – o primeiro musical
de Stephen Sondheim montado no Brasil, com a grande oportunidade
de ser assistida pelo próprio quando veio ao Rio –,
por “Avenida Q”, e pelo recente “O
Rei e Eu”, dirigido por Jorge Takla, em São
Paulo.
Agora (2011), a convite de Charles Möeller e do meu sempre
parceiro Claudio Botelho, vou enfrentar um grande desafio,
que é encarnar Judy Garland, no espetáculo “Judy,
O Fim do Arco-Iris”, que estréia em outubro
no Rio. Cheguei a ir a Londres conferir o trabalho que vou
fazer, e contará os últimos meses de vida dessa
diva, desse mito, dessa mulher destruída pela dependência
de drogas em seu declínio e decadência, já
na tentativa desesperada de ainda se manter no palco numa
última temporada numa boite medíocre da capital
inglesa.
Chorei do início ao fim com o desempenho de Tracie
Bennett e com o final tão triste de uma das maiores
estrelas que o mundo já viu. Como disse, é um
grande desafio que com toda essa estrada percorrida e com
toda maturidade adquirida, aceitei fazer.
Minha rotina atualmente é respirar Judy, estudar nos
mínimos detalhes seus maneirismos, sua maneira de cantar.
Com apoio de um pianista e de uma professora de canto, busco
seu timbre, construo aos poucos, através de suas biografias,
shows, CDs, documentários, esse trabalho que pode ser
o mais importante de minha carreira até aqui.