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Esta obra foi selecionada pela Bolsa Funarte de Reflexão Crítica e Produção Cultural para Internet
 
 
 
 

 

 
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O Começo

Eu nasci com essa vontade de fazer teatro. Eu chegava em casa, assistia Sessão da Tarde e depois eu ia pro banheiro fazer caras e bocas dos filmes que eu via. Com 12, 13 anos.

Meu avô gostava muito de teatro, ele era fã de Procópio Ferreira, escrevia versos, enfim, toda a minha família era muito ligada a artes. Minha

mãe queria ser cantora de ópera e meu pai me fez gostar de música. Ele tocava violino.

Voltando ao meu avô, ele se interessou pelos festivais e nós chegamos a ir a alguns promovidos pelo Sohail Saud. Ele me levava, ainda nos anos ’60. Ele ia de terno; muitas pessoas iam de terno.

Nos Festivais eu me lembro da História do Zoo e A moratória, com um grupo de Campos. Lembro da minha mãe me levando pra assistir uma peça com Norma Sueli – Música, divina música –. Eu tinha uns 7 anos. Ela me levou também pra ver E o vento levou no Cine Odeon. Eu tinha pessoas que me levavam pra esses eventos. Eu gostava muito, acho que por isso ninguém nunca se opôs a minha carreira no teatro.
Depois disso eu resolvi investir na minha formação. Fiquei sabendo que ia ter um curso de teatro em Niterói, pelo INDC – Instituto Niteroiense de Desenvolvimento Cultural –. Aí eu me inscrevi. Esse curso ia ter uma seleção, um teste, uma entrevista com Sérgio Brito. Eu tinha de 14 pra 15 anos. Quando chegou a minha vez ele perguntou a minha idade. Eu fui vestida e maquiada pra não parecer que eu tinha 14 anos. Ele me deu pra ler um trecho de Morte e Vida Severina. Eu fui aprovada, fiz o curso de 3 meses. Quando o curso terminou, um assistente dele, de Niterói, chamado Almir de Oliveira, professor de História, autor de teatro, me chamou pra fazer uma peça adulta. Era eu, Sohail Saud, Flor de Maria e Nilberto Vilella. A peça era um velório que depois de um tempo se descobria que o defunto não estava morto. Flor de Maria me pegava de Karmanguia em casa me devolvia porque eu era menor.
Mas, a peça foi proibida no Estado da Guanabara depois de estar praticamente pronta, e aí a gente resolveu ir pro interior: Itaperuna, São Fidélis... Só que aí chega a noticia que a peça foi proibida em todo território nacional, por atentado ao pudor, à família, à Igreja. Foi uma frustração muito grande.
Mas, imediatamente recebi outro convite pra fazer Oscar Wilde, Um Marido Ideal. Maravilhoso!
A produção era do Carlos Malheiros. A gente ensaiava no Teatro Municipal, e ficava por lá o dia todo. Lanchávamos na cantina do seu Augusto, que era no Teatro mesmo. À noite o Carlos Adib cantava música de Taiguara, num bar de frente para o teatro. Era muito bom. Mas a peça não vingou.
Malheiros era um idealista, um sonhador. Ele tocava violão muito bem, e naquele tempo não tinha coragem de se assumir. Era tudo muito enrustido. Um belo dia, o Nilberto Vilela, que era muito amigo nosso, e fazia a produção, viu o ensaio, e depois viu todo mundo bebendo cerveja e o Malheiros chorando e cantando. Achou tudo aquilo muito pesado, e brigou com o Malheiros. Perguntou se ele não tinha vergonha daquilo tudo, porque afinal eu era menor. E eu era perdidamente apaixonada por Malheiros. Nilberto deu um basta e acabou com tudo. Resumindo: segunda peça que eu ensaiei e não estreei.
Mas, como eu era rata de teatro, vivia minhas tardes inteiras dedicadas a estudar e ir pro teatro. Eu conheci Waldir Nunes, uma pessoa muito querida, que me apresentou a Washington Alves e a Conrado de Freitas, que eram os bam bam bans do teatro infantil na ocasião.

Quando acabou o curso com Sergio Brito, um ano depois o INDC deu outro curso com Haroldo Azevedo e eu fiz. Quando o curso terminou o Haroldo me convidou pra fazer uma peça chamada O Auto do Boi bum-bá, onde eu fazia Catirina. A gente ensaiava no colégio São Gonçalo e estreamos lá. Foi super legal. Mas antes eu já tinha estreado A gata Borralheira, no Municipal, em 1972, com direção de Washington Alves.
A estréia do Auto foi muito aguardada. Estávamos todas de luto: eu, mamãe, minha tia, pois meus avós tinham falecido há pouco tempo. Tudo que eu queria era estrear, porque já tinha vindo de dois ensaios que duraram praticamente um ano e não estreei. Depois disso eu não parei mais. Trabalhava um pouco com Conrado, um pouco com Washington.
Naquela época, era uma coisa muito séria. Eu lembro que o Washington era um diretor muito exigente. Ele dirigia muito. Ele falava assim: “nesta cena você se dirija à direita baixa, depois você vai pra esquerda alta”. Não tinha muita brincadeira. Conrado já era mais light. Washington não: ficava em cima.

Aí veio um papel maravilhoso que eu nunca vou esquecer: a Professora, de Três Peraltas na Praça. Waldir fazia o Faraó, Washington o Palhaço. A direção era do Paulo Matosinho. Nós estreamos no Leopoldo Fróes. E foi nessa peça que Dudu – Eduard Roessler – me viu. Ele disse pra mim que quando ele viu a professora, ele queria saber quem era a atriz.
Depois d’A Gata Borralheira eu fiz Branca de Neve, no circuito SESC, que era muito legal. Era no mesmo lugar onde é hoje e tinha sessão aos domingos de manhã. Era ótimo, pois as crianças todas do morro desciam pra assistir. Era muito tranquilo, não tinha o problema que tem hoje. E em Branca de Neve o Conrado perguntou quem conhecia crianças para fazer os 7 anões. Eu disse que tinha um irmão pequeno. E foi assim que eu introduzi Carlinhos – Carlos Fracho – no teatro. Ele fez o Zangado.
Já encarei diversos públicos. Lembro uma vez, em São Gonçalo, que fizemos o Auto do Boi Bumbá e foram 1000 pessoas assistir. A prefeitura teve que ter ajuda da PM pra acomodar todo mundo. Foi um sucesso, mas assustou.

Aí surgiu o Grupo Papel Crepom. Antes eu e Dudu fazíamos umas peças infantis e tal. Era eu, Dudu, Thiago Monteiro e Sidney Becker, que fazia um pouco de tudo. Fizemos durante muitos anos festinhas de aniversário. Quem faz aniversário faz qualquer coisa, porque é você de cara com aquelas crianças e salve-se quem puder. O público é muito diferente, os pais e os filhos, cada dia era diferente. Tem pai que presta atenção, que não tá nem aí, os lugares também são os mais diferentes. Lugar aberto, fechado, lugar que não tinha banheiro, em garagem, cozinha, sala... Tudo!!!

O GRUPO PAPEL CREPOM

Em 1979 a gente funda o Papel Crepom eu estréio em Cinderela, fazendo a irmã de David Varella. Ocupamos o Teatro Leopoldo Fróes durante um mês.
Em ’80 estréia Tem Xaveco no Tablado. Era o sonho do Dudu – Eduard Roessler – fazer Teatro de Revista. Foi um gênero que ele pouco viu. Os outros atores não tinham visto nada.
O Grupo Papel Crepom foi uma escola, mas Dudu nunca teve paciência de ficar dirigindo ator por ator. Talvez por ser muito meu amigo e conhecer o meu trabalho, muitas vezes ele não me dirigia, não pegava no meu pé. Ele dirigia o espetáculo; ele é diretor de espetáculo. Ao contrário do David Varella, também do Papel Crepom, que é diretor de ator.
O Dudu fazia o cenário, o figurino e tudo mais, então o “Xaveco” foi um grande sucesso e a gente não parou mais. Vivemos momentos de glória, de ter público: “Ah, é Papel Crepom?! Eu vou!”.
Depois de Tem Xaveco no Tablado, veio Araribroadway, e depois FacetoFace, que foi eu e Dudu, porque as pessoas falavam que queriam ver a gente, só nós dois. Mas mesmo assim, tinha todo mundo em volta também, porque era um grupo: ou fazia uma participação, ou fazia alguma outra coisa. E os infantis correndo solto. Muitos infantis, muitos aniversários. Acho que Dudu foi meu grande parceiro, a gente tinha cumplicidade em cena, se entendia no olhar. Acho que não encontro mais isso não.
Em termos de infantil, os papéis que eu considero marcantes foram: a Professora – Três Peraltas na Praça –, depois a Bêbada, de Annie, a Pequena Órfã, que eu adorava, e a Mãe de Pluft, o fantasminha. Sohail Saud dirigiu três montagens com três elencos diferentes. Eu sempre fazia a mãe.
A minha última peça no Papel Crepom, antes da minha volta ao teatro, foi a segunda versão de Sangue, Muito Sangue, em 1993.

PROCESSO DE CRIAÇÃO

Eu sempre fui intuitiva, sempre descobri coisas quando me deixei levar pela intuição.
O início de qualquer processo meu é muito sofrido, porque eu acho que eu não vou ser capaz e que eu não vou dar conta daquilo.
Isso aconteceu quando eu fiz o balé-teatro Dona Flor e Seus Dois Maridos. Tinha toda a parte de texto e tinha a maior parte da dança. O elenco era com Roberto Lima, Luciano Maia, Jorge Azevedo e Regina Sauer. A parte de dança foi idealizada por Helfany Peçanha, e quem dirigiu o espetáculo foi Marcio Augusto. Ele dizia pra mim: “Cristina você já sabe o que fazer”, e eu dizia que não, que eu não sabia.
Em um ensaio, Helfany resolveu se meter na história e disse: “Cristina, solta a franga” e mostrou com o corpo como eu devia fazer. Eu fiquei constrangida; tava um pouco travada pela complexidade da coisa, e só resolvi mesmo quando a gente estreou. Numa cena eu fingi que o Vadinho, por ser muito brincalhão, apertava a minha bunda, e fingi pro publico que quando ele passou por mim ele me beliscou. O público morreu de rir. No final do espetáculo, Helfany disse: “Maravilhoso o que você fez!”. Eu gostei muito de ter feito, foi uma experiência bem diferente. O Marcio Augusto foi um dos diretores que acreditou em mim, que deixava criar e ter a liberdade de ser assim intuitiva.
Mas o meu processo de criação passa também pelo físico: uma unha azul, uma peruca... Bibi Ferreira diz que só descobre o personagem quando põe o sapato, e eu achei aquilo genial. Eu também ajo assim.

No teatro adulto, as personagens que eu mais gostei foram: a Anfitriã, de Sangue, Muito Sangue; e a Waciléia, de Anormalistas. Pra Anfitriã eu tive que pensar numa roupa pra compor e eu descobri que a minha voz se modificava quando eu trocava de peruca. É uma personagem que eu adoraria fazer de novo. Em Anormalistas eram seis homens vestidos de normalistas que me levavam à loucura logo no começo da peça. E essa personagem eu só ganhei depois que eu coloquei um cacoete nela. Eu tava muito insegura, mas resolvi minha insegurança ou maluquice porque David Varella, que dirigia, me levou pra casa dele pra a gente conversar. Ele teve sensibilidade com o meu drama.
Pra compor meus personagens, eu tenho que criar a minha historinha. Foi assim que eu fiz com Waciléia, em Anormalistas, e como eu fiz com a Ruth, a Mãe da leitura – Querida mamãe, de Maria Adelaide Amaral; 2010. Imagino que idade tem, como é a personalidade dela, como ela se vestiria, do que ela gosta, a música que ela gosta... Enfim: acho que isso ajuda.

INTERVALO

Eu parei de fazer teatro porque resolvi voltar a estudar, e que a minha vida ia ser outra.
Eu fiquei 10 anos longe do palco, mas não sentia falta. Sentia falta das pessoas.
O teatro me ajudou profundamente na psicologia. Eu nunca deixei de falar que eu era atriz. Todo o pessoal da minha faculdade sabia. As pessoas achavam que eu me expressava muito bem, que eu era desinibida, e era eu que apresentava os trabalhos, e por isso eu que li o juramento de formatura.
Numa turma de 60 alunos eu falava com clareza e com um tom de voz alto, e isso é uma das poucas coisas de que eu me gabo: meu tom de voz. Isso é uma coisa do teatro.
Então, o teatro nunca saiu da minha vida. Não foi uma página virada. Eu nunca disse: “Nunca mais vou fazer”.

A VOLTA

Quando eu retornei, eu fui fazer uma peça chamada O grande caçador, uma lenda africana, onde muitos me criticaram. Mas, eu tive o autor Elymar de Oliveira ajoelhado na minha sala, literalmente, pedindo que eu fizesse a peça, e eu fiz. E não me arrependo. Valeu, ele tava feliz. Não me agradou o resultado, mas a função daquilo foi: “olha você ainda dá pro negócio”.
A próxima peça foi A Princesa e a Ervilha, com direção de Leandro da Matta e produção do meu irmão, Carlos Fracho. Eu li o texto e não gostei muito. Mas depois eu li de novo. Eu ia fazer a ama, mas resolvi que queria fazer a rainha.
O texto não tinha o bobo da corte, e nós tivemos a idéia de um personagem que pudesse alinhavar o espetáculo, ajudar a mudar o cenário, mostrar as placas e tal. Stella Fracho faz esse personagem.
Leandro foi muito aberto pra a gente criar. A historinha que eu criei pra essa rainha era que ela tinha inveja de uma prima francesa, e por isso falava com um sotaque, e também algumas palavras em francês. Estava tão à vontade no papel que acabei ganhando o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante no Festival de Rio das Ostras, em 2010.
A estréia d’A Princesa e a Ervilha coincidiu com as leituras dramatizadas do Fórum de Teatro, no Municipal.
Eu sempre gostei de leitura. Na época em que eu era diretora do departamento de teatro da ATACEN – Associação de Trabalhadores em Artes Cênicas de Niterói – eu promovi muitas leituras, ciclos e palestras.
A leitura de Querida mamãe, de Maria Adelaide Amaral, com direção de Lucia Cerrone, com Wana de Souza Cruz no elenco, foi uma das melhores coisas que eu fiz. O processo foi surpreendente. A gente não imaginava que iria se tornar o que acabou se tornando. A gente parava de ler pra falar daquela situação. O texto mexia com a gente. Eu estou num momento que eu só faço o que me dá prazer no teatro.
Eu ficaria horas falando de todo mundo com quem trabalhei, das coisas que passei. Por exemplo, não dá pra deixar de contar que fui dirigida por Silvio Fróes em Da lapinha ao pastoril. A direção musical foi do maestro Nelson Melin, o mesmo que dirigiu Bibi em Piaf. Eu tive que fazer teste. Fiquei uma pilha de nervos. Foi um sucesso, e ficamos amigos.
Outro trabalho de que sempre me recordo foi O Auto da Compadecida, com direção de Ronaldo Mendonça. A produção era da UFF, e todos diziam que era um elenco de estrelas. Marcello Caridade fazia o padeiro e eu a mulher dele. Eu dividia o camarim com Jorge Azevedo. Sempre gostei de dividir com ele. Gosto muito de chegar antes ao teatro, de bater papo, me maquiar, falar com as pessoas, repassar texto. É assim que eu me concentro.
Agora eu estou novamente no palco, e quero dizer que eu não me arrependo de absolutamente nada do que eu fiz, e se eu pudesse, faria tudo de novo.