Gabi,
minha mãe
Além do mingau, desde pequena, o teatro, a música,
a dança e os livros de histórias são
alimentos que a minha mãe não deixava
nos faltar. Lembro também de muita festa.
Mamãe sempre lendo, atividade diária que
até hoje, aos 89 anos, se mantém. A família
era repleta de músicos e artistas. As visitas
à casa de minha avó, meus tios, tias e
primas sempre eram regadas à música.
Minha mãe, segundo ela conta, ainda bem jovem,
depois de
algumas
experiências no palco, junto à família
que era de atores amadores, queria seguir a vida de atriz.
Mas o meu avô, apesar de ser do ofício, não
admitiu. Disse que uma coisa era estar no teatro junto à
família, outra era seguir como carreira. Não
era uma vida apropriada a uma moça de família.
Então, foi ser professora. Mas não se conteve,
e tanto na escola onde trabalhava como professora, quanto
no bairro onde morávamos, a Gabi sempre estava reunindo
as crianças e os jovens e inventando alguma arte –
geralmente criando espetáculos nos quais se dançava,
representava e cantava.
E assim foi seguindo sua vida. Alimentando muitos de arte,
de sensibilidade, de prazer, de alegria, de felicidades. Hoje,
ainda encontro muitos amigos de infância e antigos vizinhos
que lembram com um brilho nos olhos aqueles anos em que mamãe
nos reunia para “fazermos teatro”.
Assim, foi grande a sua contribuição para embelezar
o mundo.
Muitos anos mais tarde, já por volta dos 60 anos, mamãe
se matricularia em um curso de teatro na UFF coordenado por
Alice Carvalho. Neste curso, que ela frequentou durante alguns
anos, muitas peças de teatro seriam encenadas, e a
Gabi, por fim, iria inteira para o palco, deixando, então,
desaguar aquele desejo cultivado por tanto tempo.
Era lindo vê-la representando, e mais bonito era vê-la,
em casa, numa dedicação e numa disciplina total,
estudando os textos, fazendo pesquisas, visitando muitas bibliotecas,
totalmente mergulhada naquele fazer. Feliz como uma criança
brincando. Nestes momentos eu pensava: como eu queria ser
como ela.
Momento inesquecível: Gabi, minha mãe, representando
a aluna na peça "A Lição"
de Ionesco”. Era a própria adolescente, apesar
dos seus já 70 anos. Impressionante a leveza do corpo,
dos gestos, da fala. Fiquei emocionadíssima!
Hoje, ela, a quatro meses dos seus 90 anos, ainda está
nos palcos: leve, alegre, menina feliz.
Se pensarmos o mundo como um grande caldeirão, acredito
que Gabi, minha mãe, é um tempero, uma ervinha
bem apimentada, pequenininha, mas fundamental, e que faz toda
a diferença no sabor deste alimento que é a
vida de todos nós.
Enfim, à minha mãe, toda a minha admiração
e respeito.