Em
1971, eu fazia o curso de Biblioteconomia, na UFF, e
dava aulas para crianças, quando João
Raimundo e Sonia Rebel, amigos do curso de História,
me chamaram para fazer parte de um grupo de teatro amador,
o GRITE – Grupo Independente de Teatro, formado
por remanescentes do Grupo Laboratório e alunos
dos cursos de História e Ciências Sociais
da UFF. Eu adorava uma novidade, e me interessei por
mais essa. Definitivamente, um mundo novo se abriu para
mim.
A maioria dos atores já vinha de outras experiências,
mas alguns eram completamente verdes, como eu. Ali, além
de aprender muito, descobri a delícia de compor um
personagem, ser “outras pessoas”.
Nossa primeira peça foi "Achtung",
coletânea de textos de diversos autores, como Sartre,
Capinam, Brecht e Áureo Guilherme, nosso poeta. Os
ensaios eram no DCE e, além das discussões
sobre o texto, tínhamos também uma preparação
corporal com Eugênio Santos. Depois de cada ensaio
íamos para o bar de seu Nelson (cujos filhos tinham
os apelidos de “Abre aspas”, “Entre aspas”
e “Fecha aspas” – dados por Lélio),
na Lara Vilela, para continuar discutindo. Naquela época
grupos de teatro amador discutiam e bebiam.
O que me encantava era o envolvimento de todos para que
a coisa funcionasse. Os cenários, figurinos e adereços
eram decididos pelo grupo. As tarefas eram divididas e todos
costurávamos, bordávamos, pintávamos.
Mas nem tudo era encantamento. Estávamos em plena
época da repressão e existia um grande temor
que o espetáculo fosse cortado, o que jogaria fora
nosso esforço. Lembro de um dia de apresentação
que levantaram essa possibilidade. Foi um pânico só!
Insegurança e medo.
Num determinado momento, Dema – Ademar Nunes –,
o diretor do grupo, sentiu necessidade de um olhar de fora,
e José Carlos Gondim, que dirigiu o Grupo Laboratório,
se juntou a nós. Fiz um bom trabalho e um amigo até
hoje.
Depois fizemos "A Peste", de Renzo Casalli.
Cada um construiu seu figurino e criou a maquiagem, e os
resultados foram incríveis. Eu fazia uma cena inesquecível,
quando, morta, era carregada deitada, nos braços
levantados de uns fortões. A cena ficou emocionante,
ajudada pela música que a acompanhava. Dema era bom
de trilha sonora.
Participamos, com as duas peças, do Festival de Teatro
Amador de Teresópolis e, além dos integrantes
do grupo, viajavam conosco um número enorme de agregados,
namorados, amigos, amigos de amigos... Lá era só
alegria e descontração! Rimos muito e bebemos
muito, pra variar! Dema, como sempre, quase incendiou um
colchão com sua mania de ter sempre um cigarro à
mão.
Íamos muito passar feriados e fins de semanas juntos.
Sempre no caminho passávamos num depósito
de bebidas e enchíamos o carro de Serra Grande, uma
cachaça deliciosa.
Nessa época convivi com: Mariza Alvarenga, Marilene
Calheiros, Minoru Noyama, Paulinho, Edson Benigno, João
Raimundo, Sonia Rebel, Sandra Rebel (que fazia a luz), Regina
(e Renato), Miguel, Eliana Bueno, Marcus Vinícius,
Nilce (e Carlos), Valéria e Eduardo Novelino, Hélio,
Eduardo Travassos, Cesar, Jaiminho, Áureo, Marga
Abi-Ramia, Maninha.
O
TEATRO PROFISSIONAL
Depois
dessa fase resolvi que queria fazer teatro profissional,
mas a maioria do grupo discordava. Não queriam ser
tornar atores, pois cada um tinha já seu trabalho,
sua atividade.
A minha primeira peça foi uma indicação
de Tonico Pereira, que estava no elenco de "Músicos
de Bremen", numa adaptação de Marco
Borges. Minha estréia como atriz profissional, em
1975, foi em alto estilo: nada menos que no Teatro João
Caetano. A peça foi um desastre.
Depois dessa, participei de “Faça do Coelho
Rei”, de Pedro Porfírio, com direção
de Luiz Mendonça. Ali conheci amigos que me acompanhariam
por muitos camarins e coxias: Mendonça, Alice, Antonio
De Bonis e Renato Castelo. Para nos aproximar mais, descobri
que eu e Renato tínhamos primos em comum! Renato
já era talentosíssimo, se metia em todos os
assuntos e, melhor, resolvia tudo! Foi o coreógrafo
de todas as peças que fiz dali em diante.
Com esse trabalho conheci o Projeto Palco Sobre Rodas. Fizemos
o espetáculo no Aterro e em várias favelas
do Rio de Janeiro, como Mangueira e Nova Holanda.
Mais tarde, fui chamada para fazer "Bumbo, Violão,
Violino Também", de Carlito Marchon, direção
de Antonio De Bonis, e indiquei Alice. Foi mais um espetáculo
delicioso, com muita música, muita coreografia, e
um texto excelente! Estreamos no teatro Opinião e
fizemos uma temporada de sucesso em Niterói, nos
teatros Leopoldo Fróes e Municipal.
Aí então Alice me indicou para fazer um espetáculo
que estava nascendo em uma sala no Shopping da Gávea.
Era "Rio de Cabo a Rabo", idéia
original de Ivanir Calado, texto final de Gugu Olimecha
e direção de Luiz Mendonça. O elenco
foi encabeçado por Djenane Machado (posteriormente
substituída por Elke Maravilha) e ainda Alice Viveiros
de Castro, Antonio De Bonis, Betty Erthal, Doris Kelson,
Fátima Valença, Gugu Olimecha, Ivanir Calado,
Leda Borges, Luiz Mendonça, Marco Miranda, Maria
Cristina Gatti, Marilena Bibas, Nádia Carvalho, Pedro
Limaverde, Silvio Fróes e Vânia Alexandre.
Estreamos no Rival, em outubro de 1979, com uma temporada
puxadíssima de nove sessões por semana. O
espetáculo era grande, cansativo, mas era tão
bom, tão divertido, que todos fazíamos com
a maior alegria. Esse espetáculo foi um sucesso,
e a medida desse prestígio era que tínhamos
cambista na porta. A época de verão no Rival,
antes da reforma, era sufocante: não tínhamos
ar condicionado, e vimos pessoas desmaiando nas cadeiras,
mas saíam para se reanimar e voltavam. A platéia
reunia muitos famosos, atraídos pelo boca-a-boca
que aconteceu com essa primeira tentativa de trazer de volta
o gênero “Revista”.
Em algumas segundas-feiras, nossas folgas, apresentamos
"Rio de Cabo a Rabo" no Municipal de
Niterói, com casa cheia!
Na época do Natal, com o mesmo elenco, por dois anos
consecutivos, Mendonça montou um espetáculo
chamado Da Lapinha ao Pastoril, de Leandro Filho. Apresentamos
no Rival, no Forró Forrado – uma casa no Catete,
que era reduto de bailes de forró –, e num
palco montado na Cinelândia. Apresentamos também
em algumas comunidades carentes e, como sempre, muito bem
recebidos. E sempre no final do trabalho, recarregando as
energias com uma cerveja bem gelada nas biroscas mais próximas.
Esse trabalho era outro que só dava alegria! As músicas
do folclore nordestino eram exuberantes, assim com as danças.
E o melhor é que o elenco era o grupo que já
vinha junto há tempos. Nesse trabalho reencontrei
José Carlos Gondim, que, como eu disse, foi o diretor
do Grupo Laborátório. Esse trabalho foi gravado
para a TVE como especial de Natal.
Passado um tempo, estava eu na Bahia, quando chega um telegrama
de Renato Castelo me chamando de volta para fazer uma peça:
“Fi-lo PorqueQui-lo” ou Votando
no Escrutínio Dela, de Gugu Olimecha e Fátima
Valença , coreografia de Renato e músicas
de Aldir Blanc e Maurício Tapajós. Paródias
da melhor qualidade! Mais uma vez, eu, Alice, De Bonis,
Mário Maia, Michele Naili, Renato e Vânia trabalhamos
no Rival, e mais uma vez nos divertimos como nunca!
Eu nunca gostei muito de assistir leituras de peças,
porque sempre foram muito maçantes. Mas quando fizemos,
em 1982, no Teatro Glauce Rocha, a leitura de "Alma
de Gato", de Edy Ribeiro, com direção
de José Carlos Gondim, vi como isso pode ser vivo,
interessante e animado. Criamos adereços, figurinos
e uma sonoplastia que deu um sabor especial. Ensaiamos com
tanta vontade que praticamente fizemos a leitura sem texto
na mão. Ao final fomos aplaudidíssimos!
Nesse mesmo ano entrei num trabalho para crianças,
“A Fada que Tinha Idéias”, de
Fernanda Lopes de Almeida, produzido pela excelente e cuidadosa
Elvira Rocha. A niteroiense Bia Bedran se incumbiu das músicas
e a luz foi de Aurélio de Simoni. Parte do elenco
era formado por jovens atores do Grupo Tapa, como Marcelo
Escorel e Ernani Moraes, levados pelo diretor Eduardo Tolentino
de Araújo. Apresentamos “A Fada...”
em teatros do Rio de Janeiro e, em Niterói, no Teatro
da UFF, aos sábados e domingos, e escolhemos um dia
da semana como exclusivo para grupos de escolas.
Algumas pessoas do meu grupo (que tinha o sugestivo nome
de Nós é que bebemos) já estavam pensando
num novo trabalho e Fátima Valença se juntou
a Celina Sodré e escreveram a primeira revista feminista
da história do teatro: "Sem Sutiã",
uma revista feminista. Dirigida por Alice Viveiros de Castro,
tinha no elenco a própria diretora, Charles Myara,
Fátima Valença, Gilson Barbosa, Ivanir Calado,
Jitman Vibranovski, Marcelo Escorel, Nádia Carvalho,
Nedira Campos, Pedro Limaverde, Renato Castelo, Tadeu França,
Vânia Alexandre e Vera Holtz. Estreamos em 1984, no
Rival, com músicas de Tim Rescala e Zé Zuca
e Luiz Antonio Barcos como diretor musical e preparador
vocal.
Continuando com o trabalho do grupo montamos “Chopes
Berrantes” (inspirado nos cabarés berlinenses,
nas casas noturnas do início do século XX
no Rio de Janeiro), texto de Fátima Valença
e direção de Alice Viveiros de Castro. Ensaiávamos
numa sala da galeria do Teatro Cacilda Becker, no Catete.
Estava no início da gravidez de Clara e combinamos
que eu ia estrear e depois iria ser substituída,
mas a estréia atrasou, e Clara não!
Depois de Clara nasceu Luiza, num curto espaço de
tempo, e eu fiquei dedicada às meninas.
Depois fiz um trabalho exclusivo para escolas, “As
aventuras de Tibicuera”, de Érico Verísimo,
adaptação de Ine Baumann e Ludoval Campos
e direção de Ivanir Calado.
Nesse momento em que eu imaginava que estava refazendo os
contatos, retomando uma carreira, Collor de Mello chega
e se inicia o desastre na área artística.
Nada restou a não ser esperar muitos meses para receber
os cachês pelo trabalho de janeiro e fevereiro de
1990...
Assim, quando eu me vi sem perspectivas de trabalho, lancei
mão de meu diploma de Biblioteconomia e fui ganhar
a vida, não sem antes fazer, em 1992, a assistência
de figurino de “Rastros, Faros e Outras Pistas",
no Teatro Laura Alvim, texto e direção de
Ivanir Calado, com Cristina Velloso, Gustavo Ottoni, Ine
Bauman, Jorge Maia, Ludoval Campos.