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Esta obra foi selecionada pela Bolsa Funarte de Reflexão Crítica e Produção Cultural para Internet
 
 
 
 

 

 
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Comecei a fazer teatro em volta de uma fogueira. Eu adorava fazer fogueira lá na fazenda, que tinha uma varandinha alta. Enquanto eu ficava no terreiro fazendo a fogueira, a platéia ficava lá em cima. Era meio que um teatro de arena, e havia até um senhor e uma senhora que tocavam violão. Além de ter toda essa musicalidade, que eu achava ótimo, ainda dava escutar os estalos da fogueira, que eu achava lindo.

Era atriz, não só porque tinha uma fogueira para dançar, um violão

sendo tocado, uma voz cantando e um barulho de rio passando, mas porque ali existia a possibilidade de sair da solidão. Solidão porque eu mesma gosto de estar distante, sem muita gente... Mas é engraçado porque, ao mesmo tempo em que gosto de ficar muito sozinha, também gosto de uma platéia.

Ao redor da fogueira, tinha o prazer de ver que era possível, mesmo com as minhas dificuldades: aquilo me permitia ver que as pessoas me olhavam, que estavam próximas de mim.
Um tempo depois, quando já tinha ido para o Colégio Nossa Senhora das Mercês, em Friburgo, já tinha lido muito, e aí surgiu uma pessoa fantástica me chamando para fazer teatro, e eu fui. A peça era um poema de Olavo Bilac, "A Vitória Régia e o Urubu". Fiz o Urubu.

Nessa época, fui para São Paulo, vi um show da Maria Bethânia, e logo depois “Hair”. Aquilo foi me fascinando de tal forma que cheguei a largar o vestibular de Medicina quando fui chamada para uma seresta, depois da chegada do show do MPB4 do Chico Buarque. Nessa seresta, quem cantava era o Grupo Decisão, e lá estavam Niels Petersen e Geraldo Marcos. Ali comecei a cantar as coisas de Bethânia e eles gostaram muito, tanto que o Niels me convidou para ir para o grupo, mesmo com o outro rapaz, que veio a ser o pai da minha filha, falando que eu era uma hippie de boutique...

A peça era “O Asilo”, de Petersen. Com o espetáculo, fomos a um festival fantástico em São José do Rio Preto, onde ganhei o prêmio de Melhor Atriz. Depois do Festival, deixei o grupo e fui para a FEFIEG (Federação das Escolas Federais Isoladas do Estado da Guanabara), porque vi que já sabia muita coisa, já tinha lido muito em Friburgo, e já tinha até estreado “Joana em Flor”, com direção de Fernando Bohrer. Nessa época, eu já conhecia bem Stanislavski e Brecht.

Na FEFIEG, não posso esquecer de Benjamim Santos, com o premiadíssimo “Seu Rei, Senhora Rainha”, e “O Pavão Misterioso”. Com Benjamim, fiz três infantis, sendo sempre indicada a prêmios de Melhor Atriz. Lá, meus professores eram diretores de teatro e isso me levou também a ser chamada para fazer outro tipo de espetáculo, além de infantis.
Benjamim também escrevia teatro adulto, e foi com “Caibaté” que vivi histórias lindas, de quando ensaiávamos, e de quando encontrei com uma descendente tupi-guarani. Vinha tudo na minha mão, era inacreditável! Olívia Hime dizia: “Marga, é natural, as coisas vão acontecendo...”, e iam mesmo.

Nesse período, ainda morava em Niterói, e vivia intensamente a vida cultural da cidade. Ainda na FEFIEG, trabalhei com Olívia Hime, no Caibaté; com o MPB4; com Francis Hime; e com Nelsinho Mota. A gente ensaiava na casa deles e fazia uma pesquisa linda dentro da biblioteca dos jesuítas sobre os Sete Povos das Missões e sobre os tupi-guaranis.

Foram meses de ensaios lindíssimos, de muita leitura, de muita pesquisa. Nessa época tive muita sorte, porque quando atravessei a baía naquelas lanchas, fui direto para a FEFIEG (onde estavam Fábio Junqueira, Perfeito Fortuna, todo mundo!), e de lá, quando a Federação chegou ao fim, para o Grupo Dia-a-Dia, do João Siqueira, com quem fiz “Maria e Seus Cinco Filhos”, em 1977.

Nesses anos, Niterói tinha uma teatralidade meio pincelada. Mas mesmo eu, que tenho uma visão e uma postura muito crítica em relação à cultura, à arte, ao teatro, reconheço que a cidade me deu uma riqueza muito grande.

Algum tempo depois, parti para a moda, mas ainda com os olhos e o pensamento ligados ao teatro. Não só gostei, como fiz figurinos na escola de teatro, e fiquei fascinada, pois ia pesquisá-los na biblioteca do Guimas, meu professor de artes plásticas. Ia ao apartamento dele, eu e Soili Eich – produtora e grande atriz, minha amiga tão querida, que se foi. Ela é que, vindo do grupo do Domingos de Oliveira, e do qual eu também participei, me apresentou ao Rio, àquela cidade enorme, onde, aliás, eu já tinha um irmão jornalista.

Ainda em Niterói, em 1979, quando morava em São Domingos, recebo um telefonema da produção da Fernanda Montenegro me procurando. Para mim, esse é o meu começo profissional, quando já tinha terminado a faculdade de teatro, estava casada e já tinha uma filha. Profissional, que eu digo, é trabalhar com a Fernanda, porque é um marco da vida.

Também trabalhei com Aderbal Freire-Filho, mas trabalhar com a Fernanda era o máximo. Além dela, participaram da primeira leitura Paulo José e Maria Sampaio, uma grande atriz portuguesa. Ficamos meses com a Fernanda ensaiando na casa dela, e fizemos “O Assunto de Família” (1980), que era para ser um drama, mas acabou virando comédia. Aí, quando eu já não precisava de mais nada, por já estar com a Fernanda.

Com Norma Bengell e Caíque Ferreira, fiz “Isadora e Oswald”, que foi a coisa mais linda! O texto era do Aguinaldo Silva, que escreveu para mim a personagem da mãe da Isadora Duncan. Foi no teatro Glauce Rocha.

Passei também pelo “Barreado” (1981), de Ana Elisa Gregori e Mauro Chaves, com Elisabeth Savalla e direção de Luís Mendonça. Logo após veio o Circo Delírio, do Paulo Reis. Quanta gente bonita reunida! Dora Pelegrino, Antônio Pedro... eu só tenho a agradecer! Com Luiz Antonio Martinez Correia, ainda em 1981, fiz “O Percevejo”, que me rendeu louros.

Dois anos depois, fui parar no camarim ao lado de Marília Pêra, quando fiz “Adorável Júlia”. Nessa montagem, cada vez que me elogiavam e me davam afeto, mais eu tinha orgulho. Nunca subi ao palco sem pedir licença aos deuses e nunca subi no palco como deusa, achando que o teatro era um privilégio. Sempre subi com o temperamento da Fernanda, bem operária, porque o meu teatro era pé no chão, na rua, Boal, Brecht. Fiz teatro em São Cristovão, Madureira, no trem da Central, fazendo “Dia-a-Dia”, do João Siqueira. Eu sou isso, essa ansiedade.

Cheguei a vender roupa com a Glorinha Kalil, e fui bem tratada, mas diziam: “Marga, você não é a vendedora dos cintos para colocar nas calças da Tritton. Você é Marga Abi-Ramia”. Nessa época eu ainda não tinha ido fazer teatro em São Paulo, mas já tinha uma novela no currículo.

Se hoje voltei para Macuco, é porque para mim vale mais, me sinto mais segura com os meus filhos e com meus netos. Tive que fazer uma opção.

Mesmo depois de retornar para minha cidade, fiz alguma coisa em São Paulo, e também “Roberto Zucco”, no SESC – aquele palco imenso! –, em 2000, ao lado de Magali Biff. Fiz a mãe do Roberto Zucco. Mesmo sendo um privilégio, ali não fiz o teatro que sei fazer.

De qualquer maneira, a minha vida do teatro está tão ligada à minha vida agora, que fico à vontade em falar, porque sei que vou voltar. Sei que se voltar é porque fiz a trajetória de ir e vir. Quero voltar.