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Esta obra foi selecionada pela Bolsa Funarte de Reflexão Crítica e Produção Cultural para Internet
 
 
 
 

 

 
:: Quem é quem » Diretores» Antonio Carlos De Caz
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Em 1974, dirigi "O Navio Negreiro". O espetáculo era bem violento. Foi todo montado e ensaiado em andaimes no Teatro Municipal de Niterói. Coloquei andaimes de obra, arrumei cordas na Marinha e tábuas para dar idéia de um navio. Ensaiávamos no palco do teatro porque seria impossível fazê-lo nos andaimes. Mas hoje este processo de trabalho seria inviável. O Municipal não tem mais esta disponibilidade.
Nos anos ’90, fiz como ator "A Tragédia Nua de Maria Rosa" com direção de Ademar Nunes.

Em 2009, resolvi remontar "Entre Quatro Paredes". Constatei que a peça é extremamente cerebral, e nada nos diálogos é de graça. Alertei o elenco de que

tudo que sai pela boca dos personagens, passa pela cabeça, e que é preciso vivenciá-los intensamente. Não dá para fingir, ou dar grandes ares de interpretações. Entrega-se, sabendo que aquilo faz parte da sua vida, e você tem que saber o que está dizendo, tem que entender. Não é só decorar o papel.

A diferença hoje é essa. O elenco não tem tempo ou vontade de se entregar. A única preocupação é decorar. E "Entre Quatro Paredes" exige muito dos três atores. A carpintaria da peça é sofisticada e cada personagem tem o seu momento, enquanto os outros dois descansam, um deles se esfola, assim sucessivamente. É um descanso entre aspas, já que está ouvindo o que o outro diz. Assim, ele está participando. Costumo dizer: “Essa lâmpada está acesa?” “Está”. “E não posso apagar?” “Não apaga”. “Então se é dia claro nos meus olhos e na minha cabeça eu vou estar lúcido eternamente”. Não se pode dizer isso somente porque está decorado. Se não for entendido, não é transmitido.

Como diretor, para conseguir transmitir essa idéia, converso com o elenco, tenho capacidade de perceber detalhes nos atores. Quem me ensinou foi o Silva Ferreira.
Silva Ferreira, meu diretor no Grupo Os Provincianos, nos anos 1960, lembrava que quando Ziembinski dirigia Sérgio Cardoso, não dizia o texto da maneira como Zimba pretendia. Percebeu que ao falar, Sérgio passava a mão no tampo de uma mesa. Ziembinski, então, colocou uma toalha de veludo, aí ele começou a falar passando a mão em cima do veludo, e aquela coisa sensorial passou. Hoje, não há mais tempo para isso. Todos trabalham, ninguém se dedica ao teatro o dia inteiro para ensaiar ou refazer qualquer cena. Ensaia-se hoje, dois dias depois ensaia-se de novo.

A única vez em que ganhei dinheiro com teatro foi com "Navio Negreiro", porque Castro Alves caía no vestibular. Organizei debates, e num deles aconteceu algo estranho. O Geir Campos foi ver o nosso ensaio e disse: “Quem fica no navio, não fica de perna junta, fica de perna aberta para não cair”. Aí, eu disse: “Tá, mas esse navio é simbólico, não é um navio de verdade”.

Quando fizemos o ensaio para a censura, o censor pensou que fosse uma poesia, coisa declamada. A atriz Marga Abi-Ramia fazia a musa. Quando ela apareceu com aquele collant cor da pele, o censor olhou muito para ela. Tive que inflar a peça de cenas sexuais para que tivesse onde cortar e esquecer o aspecto político. Se as pessoas iam entender ou não, é outra coisa.

 

 

Antonio Carlos de Caz - Ator | Grupo Os Provincianos