Meu
irmão, o autor e diretor de teatro Niels Petersen,
nasceu em 1944. Ele escrevia desde criança. Eu,
cinco anos mais nova, queria escrever como ele. Também
quando criança ele ganhava concursos no Jornal
do Brasil fazendo historinhas.
Com 23 anos, começou a empresariar artistas.
Trouxe Tuca e Miele ao Clube Central. Era um show famosíssimo!
Depois, fez shows no DCE, que tinha sido inaugurado
na época. Mais tarde, criou o Grupo Decisão,
com o qual trabalhou como ator e diretor.
Encenamos nos anos 1970: “O Porão”,
“Marginália”, e “O
Asilo”, entre outros espetáculos.
Quando chegamos ao DCE o Grupo Laboratório já
estava com José Carlos Gondin, que era o diretor
do Grupo. Niels chegou trazendo artistas: levou Milton
Nascimento, Geraldo Vandré, Maria Bethânia.
Nesse tempo, já estávamos ensaiando “O
Porão”.
A história de “O Porão”
é fictícia. Certa vez, vi na revista Veja
que em Nova York existe mais população
de rato do que de gente. Como num Big Brother mais louco,
os ratos saem dos porões e dos esgotos e invadem
a cidade. As pessoas correm para lugares onde não
havia ratos, e as pessoas se encontravam lá.
A peça não era de humor. No porão
que servia de refúgio, ficaram um negro, uma
lésbica, um gay e uma perua. Então, no
início, antes de irem para o refúgio,
todos eram carinhosos, se abraçavam, mas conforme
o tempo passa, criam-se conflitos e cada um discrimina
o outro.
Já “Marginália” era
muito anárquica e política, mas com muito
humor. Acho que misturava tudo isso. A princípio,
aliás, foi feita assim, para enrolar a cabeça
da censura. A Estátua da Liberdade chegava a
um país em que não cabe a liberdade. Vem
de um país muito pequeno, já que também
não cabia lá, e é mandada para
cá, embora também não caiba aqui,
num país ditatorial. Era um “samba do crioulo
doido”: colocaram as bruxas de ”Macbeth"
ao lado de bobo da corte, príncipe, imperatriz,
e outros personagens infantis junto a personagens adultos.
Tenho muita saudade dessa época, era muito bom.
Toda vez que nos apresentávamos, o DCE ficava
lotado.
“O Asilo” Niels começou a trabalhar
no Nordeste. Foi lá que conheceu Elba Ramalho,
que nessa época queria vir para o Rio fazer teatro.
De fato ela veio e acabou cantando com a Tânia
Alves e fazendo teatro com o Tonico Pereira. Tonico
era um barato! Trabalhava num banco, chegava de terninho,
e todo mundo hippie de teatro, com aquelas roupas doidas.
Chegava de terninho e uma pasta, tirava um macacão,
e descabelava-se todo. Virava um dos nossos.
Eu fazia parte do Grupo Decisão e Tonico era
do Laboratório, mas todos se encontravam no DCE.
Praticamente todos iam lá, porque diariamente
tinha ensaio. Acabava o ensaio do nosso grupo, começava
o ensaio do outro, e a gente ia se encontrando. O pessoal
do Decisão era Geraldo Marcos, Rita Gaudart,
Rubélia Silva, Juvenal Silva, Giga, Paulo Carvalho,
Luci Figueiredo, Nelly Grecco.
Com o Decisão, vamos até “O
Asilo”, e depois o grupo acaba. Acho que
porque o DCE ficou meio que parado e meu irmão
foi para João Pessoa, fazendo “A Noite
das Mal Dormidas”, com o Carlos Adib, assim
que retornou. Nessa época, o Decisão já
não existia mais.
Niels lançou então a peça em Niterói,
no Teatro Municipal, e depois no Leopoldo Fróes,
por dois finais de semanas. Acho que chegou a apresentá-la
no Teatro Abel. Ficou 10 ou 15 anos em cartaz, e até
hoje a peça é apresentada em São
Paulo. “As Mal Dormidas” tinha apenas
três personagens, e foi a última peça
do Niels, até porque ficou muitos anos em cartaz.
No final, ele a fazia com dois personagens, tendo rodado
o Brasil inteiro com essa montagem.
» Palavras do Diretor:
“Teatro experimental é tudo aquilo de novo
que você possa fazer no teatro. Nós, por
exemplo, do Grupo Decisão, estamos fazendo uma
experiência em todos os terrenos: luz, som, dicção,
dramatização, etc. Nossos ensaios se realizam
nas ruas, nas praças públicas, em ônibus.
Podemos montar uma peça em praça pública
e levá-la da mesma forma num palco italiano ou
arena. São laboratórios feitos de emoção,
de agressão, expressão corporal, etc.
Através desse processo, todos se conhecem perfeitamente,
todos se libertam das tensões diárias
e en¬frentam um personagem diferente.”.
(Em: Jornal O Norte, em 26 de novembro 1971)
“Em seu livro 1984, George Orwell define: ‘liberdade
de dizer que dois e dois são quatro’. Essa
fase também define o que estamos tentando fazer
há algum tempo em nosso teatro e em todas nossas
atividades. É simplista a idéia do D.C.E.
como casa de espetáculo. Não somos uma
passarela aberta para o exibicionismo de individualidades
insatisfeitas nem ponto de badalações
para os inconformados com o marasmo cultural e vivencial
desta cidade sorriso, Niterói. Estamos em trabalho
e o que propomos é menos medo, menos mediocridade,
menos silêncio. Aqui denunciamos os muros, as
portas falsas, as paredes violentamente erguidas contra
a nossa consciência. Em suma, aqui exercemos nossa
diária claustrofobia.”.
“Aqui [também] exercemos a liberdade que
nos sobra. Se não conseguimos antes definir claramente
o nosso objetivo, é nosso o erro. Julgávamos
que o público já soubesse disso. Queremos
afirmar que nosso compromisso é com um entendimento,
cada vez mais claro e menos simplista, no instante que
vivemos da realidade que nos cerca. Uma realidade que,
não poucas vezes, nos mantém na condição
de cegos, mudos e absurdos. Há muito tempo sabemos
que o homem é animal político e por causa
disso tentamos investigar nossa situação
e questioná-la. Tentamos adquirir através
do nosso trabalho uma visão do mundo mais humana
possível.”
(Extraído
do programa do espetáculo “Marginália”,
de 1971)
“Quando
a pessoa começa a fazer teatro, tem que ter consciência
do que está fazendo. Não interessa à
pessoa chegar no palco, dar o recado, e combater o que
ele (o ator) é na realidade.”.
(Em:
Jornal O Fluminense, em 01 de fevereiro 1973)
“Antes existia uma acomoda¬ção
do público que assis¬tia teatro, e o ator,
ao ser dirigido, tinha o seu pas¬so limitado com
a chamada marcação, em que o diretor dizia
até o momento em que ele teria que levantar o
braço.
A marcação, no tea¬tro de laboratório,
foi superada: o ator representa na vida e não
no palco. Palco deve ser usado para se viver e não
representar. É claro que o diretor dá
suas recomendações ao ator, porém
a liberdade em cena é muito maior dentro dessa
inovação teatral.
Havia antes uma certa indiferença do ator para
com o personagem. Mas hoje, com o teatro de laboratório,
ator e personagem têm que estar condicionados.
Entregue a uma atriz o papel de prostituta, en¬tão
ela tem que estudar, procurar viver no meio ambiente,
sentir as rea¬ções e os problemas
daquele personagem”
(Em:
Jornal A União, em 22 de Fevereiro de
1972)
NIELS
PERTERSEN SOBRE O ESPETÁCULO “O ASILO”:
“‘O Asilo’ é tudo. Eu não
o coloco numa época, eu coloco uma rainha com
um bispo e uma atriz de cinema, sem me preocupar com
qualquer período específico. Digamos,
então, que ‘O Asilo’ seja uma situação
mundial, de dois mil anos de civilização.
Meu teatro é lógico, e se o faço
aqui, é porque acredito nele, e em todos que
o encenam.”.
(Em: Jornal O Fluminense – 25/01/1972)