Minha
família sempre foi muito ligada à arte,
à música, à poesia. Meu tio Mano
fazia seresta e os saraus na casa dele eram famosos
na rua Joaquim Távora. Eu, ainda pequeno, junto
à empregada, descobri que eu tinha uma voz entoadinha.
Virei o cantor da família. Isso foi nos anos
1960.
Em ’67 veio o primeiro Festival Fluminense da
Canção Popular, com música de Paulo
Fortes classificada: “Rosa Maria”. Fui defender
a
música. Só tinha 10 anos e cantava direitinho.
Fazia vocalize e quem me ensinava era Eugenio Martins
e tia Dalka Azevedo. A minha tessitura vocal era de tenorino,
muito alta.
Comecei, então, a cantar em igreja, casamento,
tudo de graça, até que o padre proibiu,
porque ninguém ia assistir ao casamento. A assistência
virava de costas e ficava olhando para mim. Na hora da
troca de alianças, aquele momento sagrado, entrava
uma criança cantando, com voz bonita, meio Pablito
Calvo. Eu achava cafonérrimo, mas cantava.
Aí, aconteceu o Festival da Canção,
que foi uma maluquice. Tirei o 4º lugar, e hoje vejo
que nem esse 4º lugar merecia. Foi uma comoção,
porque o público queria que eu ganhasse, por ser
uma criança que cantava direitinho, e não
pela música em si. E quando deram o prêmio
para Claudia, que fez “Evita”, e
que ganhou como melhor intérprete, o público
invadiu o palco, não aceitou.
No segundo Festival, já estava mudando de voz,
e minha irmã foi cantar uma música chamada
“Menino Pobre”, de Paulo Sidney. Aproveitei
essa mudança de voz e parei de cantar.
Nos anos ’70, fiz teste para seleção
para o curso de atores do INDC (Instituto Niteroiense
de Desenvolvimento Cultural). O curso era ótimo,
mas não aprendíamos nada, efetivamente.
O que se aprendia era o exercício do teatro. Eu
“morava” no Teatro Leopoldo Fróes.
Estava lá todos os dias, de 10h da manhã
às 11h da noite. O Felice Pirro era contratado
da prefeitura, mas não tinha embasamento teatral.
Era, sim, um “catalisador”, que colocava as
pessoas juntas, sacava quem tinha mais jeito. Ele que
montou o jogral do INDC, e os exercícios que propunha
eram sempre sobre um tema, não necessariamente
um jogo dramático.
Desse grande grupo, começou a surgir um outro,
mais fechado, formado por mim, Eduard Roessler, Raquel
Hadadd e Thiago Monteiro, os que mais se destacavam do
curso todo. E aí começou a surgir a idéia
do Papel Crepon. Quando o curso terminou, continuamos
juntos. Fizemos “Cinderela”, em 1979,
que foi uma das melhores e mais divertidas coisas que
já fiz na vida! “Cinderela”
ganhou o Festival de Teatro Infantil e o prêmio
era uma temporada de um mês no Teatro Leopoldo Fróes.
Em seguida, surgiu a idéia de “As Egretes”,
inspirada no Dzi Croquetes. Era muito engraçado.
O Renato Castelo dirigia o grupo e era tudo muito voltado
para dança, para a coreografia. Depois, Dudu Roessler
começou a fazer sozinho na boate. O Dudu era a
coisa mais linda do planeta, além de ser um ator
maravilhoso. Até hoje ele consegue solucionar uma
cena sem entender. É o único ator que conheço
que faz isso. Soluciona com sensibilidade cênica,
e fica perfeito.
Quando o dirigi em “O Auto da Compadecida”,
tinha a cena do dinheiro, em que ele pesava o dinheiro
na mão e eu perguntava: “Dudu porque você
faz isso”. E ele: “não sei”.
Era por puro instinto. Dudu é um milagre, é
um bicho de teatro, mas com sensibilidade que o distingue
dos atores que estudam, dos gênios. Para mim, não
tem igual, nunca teve. Aqui em Niterói não
tem.
Minha carreira como ator começa em um projeto que
não deu certo, chamado “O Milagre das
Rosas”, com Juliana Yanakieva. Antes do Papel
Crepon, fiz “O Deus de Matéria Plástica”,
com Nelson Lima. No Papel Crepon, além de “Cinderela”,
participei de “Tem Xaveco no Tablado”,
“Araribroadway”, e “Anormalistas”.
Da minha parte, foi uma dedicação enorme.
Falei para o Dudu para fazermos algo diferente do teatro
de revista, e ele e o resto do grupo montaram Araribroadway.
Só que nessa época, eu já estava
fora. No teatro do Rio, Araribroadway degringolou, porque
era teatro de arena, e não mais palco italiano.
Então, Dudu me ligou para eu dar uma força,
quando eles iam para o Teatro Cacilda Becker. Fui para
dar uma arrumada no espetáculo e ajudar, porque
eles não estavam acostumados ao formato de arena.
Vou
como diretor, mas acabo entrando no espetáculo
como ator. Fiz, mas não me convenci, porque não
achava legal fazer aquilo. Depois, Dudu partiu para uma
outra revista, quando montou “Cassino Icaraí”,
mas não voltei mais ao Papel Crepon, e o Dudu se
dedicou mais ao teatro infantil.
Antes, nos anos ’70, trabalhava com Dema –
Ademar Nunes – e Sapo – Rubens Carneiro. A
peça do Sapo era “Não era Tempo
de Jerusalém”. Ensaiávamos oito
meses, tanto que no final só o elenco entendia
o espetáculo. Foi uma experiência bacana
porque os ensaios eram no DCE (Diretório Central
dos Estudantes) da UFF, no auge da repressão.
Uma vez, a gente estava ensaiando e a polícia entrou
e mandou todo mundo sair. Quando cheguei no ônibus,
estava cheio de panfleto, e eles jogaram panfletos do
MR8 na minha bolsa. Tinha uns 100, mas acho que eles pensaram
que eu era tão perturbado que ninguém iria
olhar.
Com Nelson Lima, cheguei a ensaiar um musical que passava
na Pereira Carneiro. Eu e Flor de Maria fazíamos
o par. Em “O Pagador de Promessas”,
só ensaiei, não estreei.
Depois disso, volto para o Papel Crepon para dirigir “Anormalistas”,
e em meados dos anos ’80, “Concerto para Oito
Mãos e um Dedinho”, uma produção
off do Crepon. A direção era dificílima,
já que o texto não era engraçado,
mas os atores tinham que ser engraçados. Eu e Marcello
Caridade fazíamos, e não tínhamos
texto para segurar, era um trabalho de ator mesmo.
Passada essa fase, me junto ao Dema para fazer “Z”
e “O Preço da Revolta no Mercado Negro”.
Ensaiei, mas também não estreei. Fizemos,
então, “Bye Bye Pororoca”:
um trabalho de ator muito difícil para mim, porque
me recusava a fazer um travesti. Lembro quem me ajudou
muito foi a Marga Abi-Ramia, porque eu não pegava
o personagem, só pegava a bichice do homem vestido
de mulher. A voz não vinha e a postura também
não. Marga me disse: “ensaia pelo menos com
sapato alto”. E isso me faz pensar que esse é
um grande defeito do teatro em Niterói: as roupas
só ficarem prontas às vésperas da
estréia. Ela me deu uma sandália de salto
alto e veio tudo, a postura, a voz, a confiança,
a prepotência... Tudo mesmo, e de forma absoluta,
por causa desse toque da Marga. Foi o meu trabalho de
ator mais interessante.
Depois, fizemos “A Tragédia Nua de Maria
Rosa”, um texto muito bom do Dema, que ele
só não tinha amarrado muito bem as cenas.
O espetáculo tinha muitas “barrigas”,
e então eu enchi o saco. Isso porque preciso estar
completamente apaixonado e envolvido pelo espetáculo,
e não estava acreditando naquilo. Fizemos um mês
no Leopoldo Fróes, e eu saí. Não
aguentei.
“Pantagruel”, com direção
de Anamaria Nunes, nos anos 1990, fiz como ator, mas também
não estreei. Confesso que leio muito mal, principalmente
quando ainda não sei o que o diretor quer. Comecei
a perceber que estava disputando papel, fazendo teste
sem saber.
Logo depois, faço com Nina Mendes outro texto da
Anamaria. Montamos para um Festival de Esquete no Duerê.
Era uma coisa muito louca: falávamos o texto de
trás para frente, do final para o início.
O texto era muito bom, só que ninguém gostou.
Ficava lotado, mas quando acabava era uma mudez total,
e tinha umas cinco pessoas aos prantos, porque era muito
lindo, e de uma violência... Era aquela coisa de
como somos, sem saber, e ainda que vestidos com uma capa
de amor, de carinho, cruéis com as nossas relações
de afeto. Era muito bom. Se tivesse tempo, faria um programinha,
porque as pessoas ficavam meio perdidas na história.
Mas era lindo demais.
O teatro de Niterói se perdeu muito em filantropia.
“Ah, vamos chamar fulano porque ele precisa!”,
“Ah, vamos fazer com fulano que fulano é
importante, vai conseguir trazer público.”.
É uma maluquice, e não nunca me sujeitei
a esse tipo de coisa. Daí o meu afastamento. Agora
que estou velho, me acho melhor diretor do que ator.