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Esta obra foi selecionada pela Bolsa Funarte de Reflexão Crítica e Produção Cultural para Internet
 
 
 
 

 

 
:: Quem é quem » Atores» David Varella
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Minha família sempre foi muito ligada à arte, à música, à poesia. Meu tio Mano fazia seresta e os saraus na casa dele eram famosos na rua Joaquim Távora. Eu, ainda pequeno, junto à empregada, descobri que eu tinha uma voz entoadinha. Virei o cantor da família. Isso foi nos anos 1960.

Em ’67 veio o primeiro Festival Fluminense da Canção Popular, com música de Paulo Fortes classificada: “Rosa Maria”. Fui defender a

música. Só tinha 10 anos e cantava direitinho. Fazia vocalize e quem me ensinava era Eugenio Martins e tia Dalka Azevedo. A minha tessitura vocal era de tenorino, muito alta.

Comecei, então, a cantar em igreja, casamento, tudo de graça, até que o padre proibiu, porque ninguém ia assistir ao casamento. A assistência virava de costas e ficava olhando para mim. Na hora da troca de alianças, aquele momento sagrado, entrava uma criança cantando, com voz bonita, meio Pablito Calvo. Eu achava cafonérrimo, mas cantava.

Aí, aconteceu o Festival da Canção, que foi uma maluquice. Tirei o 4º lugar, e hoje vejo que nem esse 4º lugar merecia. Foi uma comoção, porque o público queria que eu ganhasse, por ser uma criança que cantava direitinho, e não pela música em si. E quando deram o prêmio para Claudia, que fez “Evita”, e que ganhou como melhor intérprete, o público invadiu o palco, não aceitou.

No segundo Festival, já estava mudando de voz, e minha irmã foi cantar uma música chamada “Menino Pobre”, de Paulo Sidney. Aproveitei essa mudança de voz e parei de cantar.

Nos anos ’70, fiz teste para seleção para o curso de atores do INDC (Instituto Niteroiense de Desenvolvimento Cultural). O curso era ótimo, mas não aprendíamos nada, efetivamente. O que se aprendia era o exercício do teatro. Eu “morava” no Teatro Leopoldo Fróes. Estava lá todos os dias, de 10h da manhã às 11h da noite. O Felice Pirro era contratado da prefeitura, mas não tinha embasamento teatral. Era, sim, um “catalisador”, que colocava as pessoas juntas, sacava quem tinha mais jeito. Ele que montou o jogral do INDC, e os exercícios que propunha eram sempre sobre um tema, não necessariamente um jogo dramático.

Desse grande grupo, começou a surgir um outro, mais fechado, formado por mim, Eduard Roessler, Raquel Hadadd e Thiago Monteiro, os que mais se destacavam do curso todo. E aí começou a surgir a idéia do Papel Crepon. Quando o curso terminou, continuamos juntos. Fizemos “Cinderela”, em 1979, que foi uma das melhores e mais divertidas coisas que já fiz na vida! “Cinderela” ganhou o Festival de Teatro Infantil e o prêmio era uma temporada de um mês no Teatro Leopoldo Fróes.

Em seguida, surgiu a idéia de “As Egretes”, inspirada no Dzi Croquetes. Era muito engraçado. O Renato Castelo dirigia o grupo e era tudo muito voltado para dança, para a coreografia. Depois, Dudu Roessler começou a fazer sozinho na boate. O Dudu era a coisa mais linda do planeta, além de ser um ator maravilhoso. Até hoje ele consegue solucionar uma cena sem entender. É o único ator que conheço que faz isso. Soluciona com sensibilidade cênica, e fica perfeito.

Quando o dirigi em “O Auto da Compadecida”, tinha a cena do dinheiro, em que ele pesava o dinheiro na mão e eu perguntava: “Dudu porque você faz isso”. E ele: “não sei”. Era por puro instinto. Dudu é um milagre, é um bicho de teatro, mas com sensibilidade que o distingue dos atores que estudam, dos gênios. Para mim, não tem igual, nunca teve. Aqui em Niterói não tem.

Minha carreira como ator começa em um projeto que não deu certo, chamado “O Milagre das Rosas”, com Juliana Yanakieva. Antes do Papel Crepon, fiz “O Deus de Matéria Plástica”, com Nelson Lima. No Papel Crepon, além de “Cinderela”, participei de “Tem Xaveco no Tablado”, “Araribroadway”, e “Anormalistas”. Da minha parte, foi uma dedicação enorme. Falei para o Dudu para fazermos algo diferente do teatro de revista, e ele e o resto do grupo montaram Araribroadway. Só que nessa época, eu já estava fora. No teatro do Rio, Araribroadway degringolou, porque era teatro de arena, e não mais palco italiano. Então, Dudu me ligou para eu dar uma força, quando eles iam para o Teatro Cacilda Becker. Fui para dar uma arrumada no espetáculo e ajudar, porque eles não estavam acostumados ao formato de arena.

Vou como diretor, mas acabo entrando no espetáculo como ator. Fiz, mas não me convenci, porque não achava legal fazer aquilo. Depois, Dudu partiu para uma outra revista, quando montou “Cassino Icaraí”, mas não voltei mais ao Papel Crepon, e o Dudu se dedicou mais ao teatro infantil.

Antes, nos anos ’70, trabalhava com Dema – Ademar Nunes – e Sapo – Rubens Carneiro. A peça do Sapo era “Não era Tempo de Jerusalém”. Ensaiávamos oito meses, tanto que no final só o elenco entendia o espetáculo. Foi uma experiência bacana porque os ensaios eram no DCE (Diretório Central dos Estudantes) da UFF, no auge da repressão.

Uma vez, a gente estava ensaiando e a polícia entrou e mandou todo mundo sair. Quando cheguei no ônibus, estava cheio de panfleto, e eles jogaram panfletos do MR8 na minha bolsa. Tinha uns 100, mas acho que eles pensaram que eu era tão perturbado que ninguém iria olhar.

Com Nelson Lima, cheguei a ensaiar um musical que passava na Pereira Carneiro. Eu e Flor de Maria fazíamos o par. Em “O Pagador de Promessas”, só ensaiei, não estreei.

Depois disso, volto para o Papel Crepon para dirigir “Anormalistas”, e em meados dos anos ’80, “Concerto para Oito Mãos e um Dedinho”, uma produção off do Crepon. A direção era dificílima, já que o texto não era engraçado, mas os atores tinham que ser engraçados. Eu e Marcello Caridade fazíamos, e não tínhamos texto para segurar, era um trabalho de ator mesmo.

Passada essa fase, me junto ao Dema para fazer “Z” e “O Preço da Revolta no Mercado Negro”. Ensaiei, mas também não estreei. Fizemos, então, “Bye Bye Pororoca”: um trabalho de ator muito difícil para mim, porque me recusava a fazer um travesti. Lembro quem me ajudou muito foi a Marga Abi-Ramia, porque eu não pegava o personagem, só pegava a bichice do homem vestido de mulher. A voz não vinha e a postura também não. Marga me disse: “ensaia pelo menos com sapato alto”. E isso me faz pensar que esse é um grande defeito do teatro em Niterói: as roupas só ficarem prontas às vésperas da estréia. Ela me deu uma sandália de salto alto e veio tudo, a postura, a voz, a confiança, a prepotência... Tudo mesmo, e de forma absoluta, por causa desse toque da Marga. Foi o meu trabalho de ator mais interessante.

Depois, fizemos “A Tragédia Nua de Maria Rosa”, um texto muito bom do Dema, que ele só não tinha amarrado muito bem as cenas. O espetáculo tinha muitas “barrigas”, e então eu enchi o saco. Isso porque preciso estar completamente apaixonado e envolvido pelo espetáculo, e não estava acreditando naquilo. Fizemos um mês no Leopoldo Fróes, e eu saí. Não aguentei.

“Pantagruel”
, com direção de Anamaria Nunes, nos anos 1990, fiz como ator, mas também não estreei. Confesso que leio muito mal, principalmente quando ainda não sei o que o diretor quer. Comecei a perceber que estava disputando papel, fazendo teste sem saber.

Logo depois, faço com Nina Mendes outro texto da Anamaria. Montamos para um Festival de Esquete no Duerê. Era uma coisa muito louca: falávamos o texto de trás para frente, do final para o início. O texto era muito bom, só que ninguém gostou. Ficava lotado, mas quando acabava era uma mudez total, e tinha umas cinco pessoas aos prantos, porque era muito lindo, e de uma violência... Era aquela coisa de como somos, sem saber, e ainda que vestidos com uma capa de amor, de carinho, cruéis com as nossas relações de afeto. Era muito bom. Se tivesse tempo, faria um programinha, porque as pessoas ficavam meio perdidas na história. Mas era lindo demais.

O teatro de Niterói se perdeu muito em filantropia. “Ah, vamos chamar fulano porque ele precisa!”, “Ah, vamos fazer com fulano que fulano é importante, vai conseguir trazer público.”. É uma maluquice, e não nunca me sujeitei a esse tipo de coisa. Daí o meu afastamento. Agora que estou velho, me acho melhor diretor do que ator.


Davida Varella - Diretor