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Esta obra foi selecionada pela Bolsa Funarte de Reflexão Crítica e Produção Cultural para Internet
 
 
 
 

 

 
:: Quem é quem » Atrizes » Nelly Grecco
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Eu começo minha carreira pequena, cantando “Meu Brasil Brasileiro”, no Clube do Guri, na TV Tupi. Na verdade, comecei brincando de cantar. No colégio, fazia teatrinho, e meu irmão (Niels Petersen) também cantava no colégio dele.
Nós éramos de colégios diferentes, e nessa época morávamos no Rio. Com 10 anos eu vim pra Niterói, e hoje eu sou mais de Niterói do que de qualquer outro lugar.


Meu irmão era muito meu amigo e tudo que ele fazia ele me mostrava, apesar da diferença de idade. Na infância, cinco anos fazem uma grande diferença. Depois, já não fazem diferença

nenhuma.

Ele era daquele tipo de irmão que sabe tudo, e que passa a ser seu ídolo. Então, se ele cantava, eu queria cantar também. Se ele escrevia, eu queria escrever. Eu estava sempre incentivada pelas coisas que ele fazia. Então, para mim, a coisa de cantar e do teatrinho que ele fazia lá em casa, mesmo que só brincando comigo, foi muito importante. E tudo assim, ligado à arte.

Eu lembro que ele também tinha uma espécie de rádio pirata, e com ela fazia um programa de música numa vila. Era ele mesmo quem comandava aquilo tudo, indo às lojas, conseguindo patrocínio pra dar de presente pra quem cantasse melhor... E ele tinha só uns 10 anos!

Com o passar do tempo, eu fui fazendo alguns cursos, sempre na aba do meu irmão, que era autor e lia e escrevia muito, sempre procurando saber de tudo.
Em 1971, embora ele já tivesse o Grupo Decisão há três anos, começou a fase da produção de shows de musica. Em 1972 fizemos “Marginália” e, em ’73, “O Asilo”, quando ele também encenaria “O Porão”, comigo no elenco.

Meu irmão viajava muito, e nessa brincadeira eu casei e parei de fazer teatro, mas ainda com aquela vontade de continuar, pois até pouco antes eu fazia uma coisa e outra. Mas foi essa vontade que, no fim das contas, me motivou a fazer teatro infantil (começando pelas peças mais conhecidas) e, inclusive, a dirigir. Isso porque, em 1978, quando meu filho Cristian fez aniversário, eu montei uma peça pra ele e todo mundo adorou, tanto que passaram a pedir para que eu também fizesse no aniversário de outras crianças.
Assim, fiz isso por uns 10 anos com o meu grupo, chamado “1,2,3 e Já” , e que durou até 1989.

» Histórias de Nelly

“Marginália”, 1972

No dia do ensaio geral da peça “Marginália” a casa estava cheia de estudantes, as falas seguiam nos passos normais do seu texto, quando começamos a perceber que estranhos se infiltravam por dentro da platéia. Era hora de mudar rapidamente o texto e comer todas as falas proibidas – afinal, era esse o combinado. O lema era: sempre atento!

Assim, fomos levando com garra nossas personagens e nossas performances, que mesmo com todos os cortes foram bem recebidas pelos estudantes e muitos aplaudidos no final.
Quando o auditório esvaziou, sobraram lá trás três homens que nos levaram a concluir que estávamos certos. Eles eram mesmo “os homens” que achávamos que fossem: os homens do DOPS. Chegaram até o camarim e conversaram com meu irmão Niels, comentando que estava tudo bem e que seguimos as instruções conforme o censurado. Depois se despediram e foram embora. Quando vimos que já estavam longe, caímos na risada, e não conseguíamos parar.

Na semana seguinte foi a estréia, com casa estava cheia e meu irmão na dúvida se levaria o texto cortado ou o original, até que ele se encheu de coragem e mandou que interpretássemos o original, dizendo que ficaria na platéia de olho para ver se via os infiltrados, ao mesmo tempo em que seu assistente ficaria na portaria para nos dar um sinal de que era preciso mudar o texto em caso de acontecer qualquer estranheza. Mas, no fim, transcorreu tudo bem. Os homens não apareceram, e mais uma vez foi um sucesso!

Assim, “Marginália” ia sendo levada todos os finais semana daquele mês, sempre na expectativa dos “homens” aparecerem.
Na última apresentação antes da ida para o Festival de São Jose do Rio Preto, um fato hilário aconteceu. Havia uma parte da peca em que o povo fazia uma manifestação e policiais chegavam “baixando porrada” nas pessoas (os artistas), e essa cena sempre assustava o público, pois se passava na platéia e os PMs chegavam pela porta de entrada. Por isso, houve gente que se levantou, e muitos até correram achando que aquilo era real. Aos poucos iam percebendo que fazia parte do texto, e logo passavam a se acomodar outra vez...

“O Asilo”, 1973

Começamos então a ensaiar no porão do edifício a peça “O Asilo”, que íamos apresentar naquele ano e que era passada num asilo de loucos. Os personagens, é claro, eram totalmente esquizofrênicos, paranóicos, patéticos, enfim, com várias características de malucos, fazendo com que tivéssemos de gritar, gemer, surtar para todos os lados, o que fazia do ensaio uma loucura. Nessa exaltação da excitação dos personagens, nem percebíamos que entrávamos num êxtase total.

O porão só tinha uma lâmpada, fazendo com que o local ficasse numa penumbra e assim não víssemos quando a polícia chegou. Só nos ligamos quando uma voz forte falou: “O que está acontecendo aqui?”. Assustados, ficamos num silêncio passageiro pelo susto que levamos, e tivemos que desencarnar o personagem que estávamos vivendo. Passado o impacto, meu irmão, que era o diretor e responsável pelo grupo, foi logo se apresentado. Eram cinco PMs e todos queriam saber o que estávamos fazendo reunidos naquele porão mortiço, quase sem luz. Niels foi se identificando e mostrando o texto, explicando a razão de tudo aquilo. Os policiais ouviram e quiseram ver o que estava acontecendo. Então nós lemos e passamos um pedaço do teatro que estávamos interpretando, e aí os caras pediram para olhar nossas bolsas e fizeram revista em todos. Assim que acabou, foram educados em pedir desculpas, mas solicitando que não ensaiássemos mais ali, pois a vizinhança havia exigido a presença deles com o argumento que havia um grupo de hippies drogados berrando no porão. Diante disso tudo, não tivemos escolha a não ser abandonar o local e desistir do ensaio.

Na semana seguinte, o DCE foi reaberto e liberado para que ensaiássemos nossa peça de novo, e mesmo com tudo isso, “O Asilo” foi um sucesso, e justamente merecedor de vários prêmios em São Paulo e em Niterói.

Grupo Decisão | Niels Petersen